quarta-feira, 22 de julho de 2009

CARTA ABERTA

Á MINISTRA DA EDUCAÇÃO

Pelo professor Santana Carrilho

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DEVIA PASSAR A CHAMAR-SE MINISTÉRIO DA CERTIFICAÇÃO E DAS NOVAS OPORTUNIDADES.

Senhora ministra:
Dentro de poucos meses partirá para um exílio dourado.
Obviamente que partirá, seja qual for o resultado das eleições.
É tempo de lhe dizer, com frontalidade, e antes que o ruído da campanha apague o meu grito de revolta, como a considero responsável por quatro anos de Educação queimada.
Este qualificativo metafórico ganhará realismo à medida que aqui for invocando os falhanços mais censuráveis, alguns apenas, dos muitos que fazem de si, politicamente, uma
predadora do futuro da escola pública.
Se se sentir injustiçada, tenha a coragem de marcar o contraditório, cara a cara, onde e quando quiser, perante professores, alunos, pais e demais cidadãos votantes.
Por uma vez, sairia do ciclo propagandístico em que sempre se moveu.
A senhora ministra falhou estrondosamente com o sistema de avaliação do desempenho dos
professores, a vertente mais mediática da enormidade a que chamou estatuto de carreira.
A sua intenção não foi, nunca, como lhe competia, dignificar o exercício de uma profissão estratégica para o desenvolvimento do país.
A senhora anda há um ano a confundir classificação do desempenho com avaliação do desempenho e demonstrou ignorar o que de mais sério existe na produção teórica sobre a matéria. Permitiu e alimentou mentiras inomináveis sobre o problema.
O saldo é claro e incontestável: da própria aberração técnica que os seus especialistas pariram nada resta.
Terá os professores classificados com bom, pelo menos, exactamente o que criticava quando começou a sua cruzada, ridiculamente fundamentalista.
A que preço? Coisa difícil de quantificar.
Mas os cacos são visíveis e vão demorar anos a reunir: o maior êxodo de todos os tempos de profissionais altamente qualificados; a maior fraude de que há memória quando machadou com critérios de vergonha carreiras de uma vida; o retorno à filosofia de que o trabalho é obrigação de escravos.
Não tem vergonha desta coroa?
Não tem vergonha de vexar uma classe com a obrigação de entregar objectivos individuais no
fim do ano, como se ele estivesse a começar?
Acha sério mascarar de rigor a farsa que promoveu?
A senhora ministra falhou quando fez aprovar um modelo de gestão de escolas, castrador e
centralizador.
Não repito o que então aqui escrevi.
Ainda os directores estão a chegar aos postos de obediência e já os factos me dão razão.
Invoco o caso do Agrupamento de Santo Onofre, onde gestores competentes e legalmente providos foram vergonhosamente substituídos; lembro-lhe a história canalha de
Fafe, prenúncio caricato de onde nos levará a municipalização e a entrega da gestão aos arrivistas partidários; confronto-a com o silêncio cúmplice sobre a suspensão arbitrária de um professor em Tavira, porque o filho do autarca se magoou numa actividade escolar, sem qualquer culpa do docente.
Dá-se conta que não tem qualquer autoridade moral para falar de autonomia das escolas?
A senhora ministra falhou quando promoveu a escola que não ensina.
Mostre ao país, a senhora que tanto ama as estatísticas, quanto tempo se leva hoje para fazer, de uma só tirada, os 7.º, 8.º e 9.º anos e, depois, os 10.º, 11.º e 12.º. E sustente, perante quem conhece, a pantomina que se desenvolveu à volta do politicamente correcto conceito de escola inclusiva, para lá manter, a qualquer preço, em ridículas formações pseudoprofissionais, os que antes sujavam as estatísticas que a senhora oportunistamente branqueou.
Ou se vir discutir publicamente a demagogia de prolongar até aos 18 anos a obrigatoriedade de frequentar a escola, no contexto do país real e quando estamos ainda tão longe de cumprir o actual período compulsivo, duas décadas volvidas sobre o respectivo anúncio.
Do mesmo passo, esclareça (ainda que aqui a responsabilidade seja partilhada) que diferenças existem entre o anterior exame ad hoc e o pós-moderno "mais de 23", para entrar na universidade.
Compreendo, portanto, que no pastel kafkiano a que chamou estatuto de carreira não se encontre o vocábulo ensinar.
Lá nisso, reconheço, foi coerente. Só lhe faltou mudar o nome à casa onde pontifica.
Devia chamar-se agora, com propriedade, Ministério da Certificação e das Novas Oportunidades.
Não tem remorsos?
A senhora ministra falhou rotundamente quando promoveu um estatuto do aluno que não
ajuda a lidar com a indisciplina generalizada; quando deu aos alunos o sinal de que podem passar sem pôr os pés nas aulas e, pasme-se, manifestou a vontade de proibir as reprovações, segundo a senhora, coisa retrógrada.
A senhora ministra falhou quando defendeu uma sociedade onde os pais não têm tempo para estar com os filhos.
A senhora ministra falhou quando permitiu, repetidas vezes, que crianças fossem usadas em actividades de mera propaganda política.
A senhora ministra falhou quando encomendou e pagou a peso de ouro trabalhos que não foram executados, para além de serem de utilidade mais que duvidosa.
Voltou a falhar quando deslocou para os tribunais o local de interlocução com os seus parceiros sociais, consciente de que o Direito nem sempre tem que ver com a Justiça.
Falhou também quando baniu clássicos da nossa literatura e permitiu a redução da Filosofia.
Falhou ainda quando manipulou estatisticamente os resultados escolares e exibiu os que não se verificaram. Falhou igualmente quando votou ao abandono crianças deficientes e professores nas vascas da morte.
Falhou, por fim, quando se deixou implicar no logro do falso relatório da OCDE e no deslumbramento saloio do Magalhães.
Por tudo isto e muito mais que aqui não cabe, a senhora é, em minha opinião, uma ministra falhada.
Parte sem que eu por si nutra qualquer espécie de respeito político ou intelectual.

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

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