terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AS RAZÕES DA CRISE E O

MAIS QUE ADIANTE SE LERÁ.....

“O MILITANTE” publicou um artigo de Carlos Carvalhas sobre a situação económica mundial, que reproduzimos na íntegra no “OLHAR À ESQUERDA - Desenvolvimentos”, a que poderá ter acesso no fim deste texto.
São impressionantes as afirmações deste economista.
Não só pela lucidez da sua análise, simplicidade da exposição e forma clara como nos faz perceber a gravidade da situação.
A clareza meridiana como coloca a problemática da crise mundial, as actuais relações de produção, a natureza do deficit americano e a posição da banca perante a crise mundial, são uma lição de inteligente perspicácia e chegam a tornar doloroso, como é possível aceitar que assim se continue.
É um artigo fundamental, para compreender os mecanismos desta crise que avassala o mundo e em que medida ela é da inteira e exclusiva responsabilidade dos Estados Unidos.
O capitalismo utiliza o Sistema, para manter o domínio económico e financeiro, baseado no artifício de manter o dólar, como moeda de referência Mundial.
Qualquer cidadão consciente, que entenda as bases em que o capitalismo faz funcionar o Sistema, percebe que está a entregar o resultado do seu esforço laboral, através de um código elaborado pelo capitalismo, representado pelo “dinheiro”, cuja única justificação, é representar a vantagem, de não ter de ir ao mercado comprar a comida da família e ter de levar uma ovelha, um porco ou uma vaca, para compensar o que comprou.
Vejamos muito resumidamente a última etapa da manobra capitalista para dominar o sistema de trocas.
Essa ultima fase que estou a referir, pode-se considerar que começa em 1944, a partir do Tratado de Bretton Woods, onde foram estabelecidos os parâmetros em que se iriam processar as relações comerciais internacionais.
Os Estados Unidos como potência dominante na época, acordou com os 44 países mais industrializados, estabelecer o dólar com a referência mundial, para poder tornar viável, a equiparação entre as várias moedas nacionais.
Em troca acordaram, que por cada 35 dólares que fosse apresentado á Reserva Federal americana, os Estados Unidos entregariam ouro equivalente a uma onça Troy.
Acontece que em 1971, Richard Nixon mandou às ortigas esse acordo, deixando de fazer a correspondência entre o dólar e o ouro, como fora acordado em Bretton Woods e passou a imprimir as notas sem a respectiva caução em ouro, que garantia a paridade efectiva do dólar.
Está visto que a partir daí, era só imprimir os dólares necessários para pagar os deficits da balança de pagamentos americana, que hoje é incontrolável e está na génese da crise mundial, que todos somos chamados a pagar.
Para se fazer uma ideia da evolução da situação, basta ver o valor das cotações do ouro nestes últimos anos.
1944-35 Dólares por uma onça (Acordo de Bretton Woods)
2009-1217 Dólares por uma onça

Se a isto juntarmos o facto de já andar em circulação, cinco vezes mais dólares do que o total da produção mundial , então começamos a entender a que ponto vi a exploração capitalista.
A manutenção da hegemonia mundial do dólar é uma fatalidade tão evidente, que a China, Rússia, Brasil, India etc., estão a diversificar o pagamento das matérias-primas e produtos exportados, não só em moedas e outros valores que não o dólar e a comprar quantidades imensas de ouro, para consolidar as suas reservas financeiras.
No que diz respeito a Portugal em particular, o problema é de outra natureza e ainda mais grave, porque assenta no facto de ter sido destruído o nosso aparelho produtivo, tornando o nosso país, absolutamente dependentes das importações. Não tendo um modo de produção que compense, o nosso deficit aumenta diariamente de uma forma astronómica.
Não há remédio para o deficit, enquanto não aumentarmos a “nossa”capacidade produtiva.
Fala-se muito em investimento estrangeiro, para aumentar os postos de trabalho, mas é preciso ter em atenção, que quando estamos a resolver o problema do desemprego, com esse investimento, não podemos esquecer que as mais-valias vão directamente para os bolsos desses capitalistas, tal como já hoje acontece, em que se dá a saída de milhares de milhões de euros em lucros, dividendos, royalties, para compensar o capital estrangeiro investido.
De tudo isto nos fala Carlos Carvalhas de uma forma extremamente pedagógica.
Vejamos então na íntegra esse importantíssimo artigo, desse extraordinário economista.

CLIQUE AQUI
ARTIGO DE CARLOS CARVALHAS

A EVOLUÇÃO DA CRISE

Artigo publicado noMilitante, n.º 303 – Nov/Dez 2009
Dezembro 8, 2009

Com o aprofundamento da crise, com as falências, os encerramentos de empresas e o desemprego, ganhou relevo nas linhas da ideologia dominante a ideia de que a crise não é do sistema e que foi devido aos «excessos» e à ambição desmedida de alguns que ultrapassaram todas as «regras» – caso Madoff e a prisão de alguns banqueiros deu muito jeito à difusão de tais teorias. Apresentou-se a liquidação de direitos e regalias e a redução dos salários como a chave da recuperação. Continuou a apresentar-se o capitalismo como o melhor dos sistemas, e sem alternativa. Ao mesmo tempo, fomos ouvindo periodicamente que o pior já tinha passado, que já se estava no ponto de viragem, que já se via a luz ao fundo do túnel.As declarações optimistas visando criar expectativas e relançar os casinos bolsistas foram também necessariamente temperadas pelos indicadores negativos e por periódicas quedas das cotações, com declarações de que «ainda é necessário ser prudente sobre a recuperação» (1) . No entanto, os Estados e os Bancos Centrais continuaram a injectar dinheiro no sistema financeiro, enquanto os grandes bancos voltavam a apresentar avultados lucros e a distribuir escandalosos dividendos.
As injecções de fundos públicos na Banca, bem como as nacionalizações desta ou daquela instituição, foram sempre apresentadas como uma necessidade da economia, uma inevitabilidade pois argumentam: se a Banca se afundasse, afundava-se a economia. E a nacionalização de bancos foi sempre apresentada como uma medida conjuntural para a recuperação dos mesmos, prometendo-se a imediata privatização logo após a recuperação com dinheiro público: a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros.
Como é evidente a questão não está na necessidade de um sistema financeiro para fazer funcionar a economia. A questão que se coloca é de saber se ele está a assegurar normalmente a função elementar do crédito e se a intervenção é para salvar a Banca, para a colocar ao serviço da economia, da colectividade, das pequenas e médias empresas ou para salvar os banqueiros e os grandes accionistas à custa dos contribuintes, à custa dos trabalhadores, do povo e do país!
Mesmo com todas as ajudas, o montante do chamado lixo tóxico é tal que muitos são os bancos, um pouco por todo o mundo, que continuam a pedir novas ajudas.
Nos EUA o encerramento na Flórida do Bank United FSB (12,8 milhares de milhão de dólares activos) foi a mais significativa falência bancária deste ano, a par de dezenas de pequenos bancos. Na Holanda, o ABN Amaro, nacionalizado em Outubro de 2008, pediu uma nova ajuda ao governo. Por sua vez a Comissão Europeia deu o seu acordo às injecções de fundos públicos na Dinamarca para salvar o Fiona Bank. O economista Roubini, num colóquio organizado pelo New York Review Book (21.05.09), alertava que a socialização dos prejuízos põe os Estados em perigo. Os créditos duvidosos garantidos pela colectividade e os planos de relançamento pesarão fortemente sobre os Orçamentos.
E, apesar de todas as pressões, a Banca em geral não só tem aumentado os spreads como tem dificultado o acesso ao crédito. O Secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, declarou em Lisboa, em 22.05.09, que os problemas tinham começado nos bancos e que estes continuavam a não emprestar normalmente (2) . E esta é uma questão nodal: a Banca está ao serviço da acumulação dos seus detentores e não ao serviço da economia e só por acaso e pontualmente os dois interesses podem coincidir.
Acresce que os bancos criam moeda e crédito, bem público, devendo portanto estar ao serviço da colectividade e não de interesses egoístas de grupo. A posição das forças políticas face à Banca Comercial, face às empresas básicas e estratégicas, separa claramente as forças do sistema gestoras do capitalismo, mesmo que ditas reformistas e de esquerda, das forças revolucionárias e efectivamente da esquerda, sem adjectivos para disfarçar. E não é com reguladores pseudo independentes que se coloca estas empresas ao serviço dos povos e dos países. Os exemplos são constantes e esclarecedores.
Acresce que, o caso da Banca, o acesso à actividade é limitado. É um privilégio concedido pelos Estados, pelos Bancos Centrais, pelo que a nacionalização é simplesmente retirar-lhes esse privilégio. Privilégio que, como o evidenciam os escândalos conhecidos do BCP, BPP, BPN (e alguém acredita que nos outros tudo se passa de maneira diferente?), tem sido usado para a acumulação de meia dúzia de famílias.
É de lembrar que, por exemplo, a administração do BCP entre 1999 e 2006 só de prémios recebeu 291 milhões, dos quais 24,3 milhões foram pagos indevidamente (Correio da Manhã, 26.06,09). E o BPN deu 15 milhões de euros a gestores em pagamentos clandestinos (Diário Económico, 25.09.09)
As vozes sobre a crise
A social-democracia em geral aproveitou a crise para, em discurso, criticar o neoliberalismo, embora na prática o continue a executar e, na sua postura neokeynesiana, continua a não pôr em causa o sistema, mas a posicionar-se como a melhor gestora do capitalismo. No plano ideológico, voltaram de novo as teses de Morishima, de Sraffa, e tuti quanti, procurando desvirtuar o pensamento de Marx e encobrir a exploração da mão-de-obra assalariada.
Com a evolução da crise tivemos também algumas, embora poucas, vozes da Igreja, que puseram o dedo na ferida do sistema e não se integraram na corrente das declarações desculpabilizadoras e moralistas de que a culpa foi dos excessos e da ambição desmedida de alguns. Mas a Igreja, enquanto instituição, esqueceu-se do «não roubarás» e da pintura de Canelleto – a Expulsão dos Vendilhões do Templo… O Papa publicou, em 7 de Julho, uma nova encíclica «Caritas in veritate» bem distante da encíclica «Rerum Novarum» do Papa Leão XIII, que fundou aquilo que se designa pela doutrina social da Igreja e em que se assinala que as relações entre patrões e empregados se tinham modificado, que a riqueza se concentrou nas mãos de um pequeno número e que um grande número ficou na indigência. Na época foi para a Igreja católica um avanço, com considerações justas sobre a condição operária, a defesa dos sindicatos, apesar dos equilibrismos – críticas do sistema capitalista atacando ao mesmo tempo a luta de classes e o socialismo. «Caritas in veritate» está muito longe desses avanços. O Papa é muito mais firme e claro na condenação do aborto, da eutanásia do que em criticar um sistema que condena milhões de seres humanos à miséria, à fome e à «escravatura». Como já foi assinalado, esta Encíclica, publicada em plena crise, não tem uma palavra sobre o capitalismo, ou o sistema financeiro e os paraísos fiscais. A palavra desemprego aparece duas ou três vezes no texto. No entanto já houve quem adiantasse a propositura de Bento XVI para prémio Nobel da economia e entre nós a encíclica também já foi caracterizada de «manual para o desassossego». Para o grande capital não o é seguramente (3) .
A questão estratégica
A hegemonia do dólar e os privilégios dos EUA no sistema monetário internacional continuam como questão central nesta crise.
A sustentabilidade da dívida dos EUA, os défices orçamentais dos exercícios de 2009 e 2010, colocam em questão a credibilidade do dólar e o que lhe vai acontecer será um factor chave para o futuro.
Há quem afirme que mesmo que os parceiros comerciais dos EUA quisessem os seus excedentes não são suficientes para financiar o défice orçamental que não pára de crescer para alimentar os planos de relançamento económico e as diversas guerras e intervenções militares.
Os principais detentores da dívida procuram desfazer-se dos dólares e dos Títulos de Tesouro, mas com dificuldades devido às amarras que têm àquela economia.
A Rússia já afirmou que hoje detém uma maior proporção de reservas em euros do que em dólares. Segundo um outro relatório, a China terá aumentado nos últimos anos as suas reservas de ouro em 75%.
O Primeiro-ministro da China expressou também as suas preocupações sobre o futuro do dólar e é sabido que a China, a par da compra de matérias-primas estratégicas, tem também comprado grandes empresas em diversos países ocidentais.
O Presidente da Reserva Federal, segundo o London Telegraph de 27 de Maio, foi questionado, na China, por várias vezes, sobre se a Reserva Federal ia financiar o défice orçamental imprimindo dólares (4) .
A significativa reunião de 15 e 16 de Junho na Rússia entre os presidentes chinês, russo e os representantes de 6 países da Organização de Cooperação de Shangai (O.C.S.), a que se juntou o Brasil, não só debateu em que moedas se faria, no futuro, o comércio dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), como a necessidade de se encontrar uma alternativa ao dólar e a possibilidade de os EUA continuarem a aumentar indefinidamente os seus défices.
A China e outros países com comércio excedentário com os EUA têm sido praticamente obrigados a reciclar os seus dólares comprando Títulos do Tesouro, por falta de alternativas. E esta foi a questão central da reunião. A China e também a Rússia já fazem comércio internacional com vários países nas suas próprias moedas e a China continua a procurar comprar posições decisivas em empresas estratégicas, apesar das medidas de proibição (o Congresso americano impediu a empresa chinesa CNOOK de comprar a Unocal com o argumento da segurança nacional) e da pressão ideológica contra os fundos soberanos. Como nos recordava o economista Michael Hudson «os estrangeiros são convidados a imitar os japoneses que investiram em elefantes brancos, como o Rockefeller Center em que perderam um milhar de milhão de dólares)». Até agora foi a poupança mundial, e não a americana, que financiou os défices orçamentais americanos, as suas guerras e as suas compras de empresas no estrangeiro. Como vai ser no futuro? OS EUA vão continuar a pôr a rotativa a produzir dólares para pagar a sua dívida e a sua dominação? E os Bancos Centrais, designadamente dos países com excedentes comerciais com os EUA, vão continuar a acumular dólares e Títulos do Tesouro? E os EUA não vão utilizar a sua força militar? E qual o futuro do dólar e da Zona euro, com os efeitos da valorização desta moeda, em países como a Grécia, Portugal, Espanha…?
As previsões
Num artigo no New York Times «A alegria da Goldman Sachs» (24.07.09), Paul Krugman, (prémio Nobel da economia), dizia: «a economia dos EUA continua em maus lençóis, com um em cada seis trabalhadores desempregados ou sub-empregados e contudo a Goldman Sachs acaba de anunciar um recorde de lucros e prepara-se para distribuir prémios enormes». Mas estes lucros, dizia Krugman, tal como no passado não foram obtidos a encaminhar o capital para a utilização mais produtiva possível. «Pelo contrário, foram obtidos na especulação: dirigiram vastos montantes de capital para a construção de casas invendáveis e de centros comerciais vazios, com efeito o sector estava a vender “banha da cobra a consumidores crédulos”». E a Goldman não acreditava sequer na sua própria propaganda. E concluía: os lucros da Goldman constituem uma boa notícia para a Goldman e para quem lá trabalha, bem como para a generalidade das super estrelas da finança cujos ordenados estão rapidamente a subir, mas são más para as outras pessoas, a maioria.
O que nos diz Krugman resume bem o que se está a passar. Com os fundos públicos e as garantias do Estado à Banca voltou-se ao «business as usual» e ainda com mais hipocrisia… É por isso que alguns afirmam, não sem razão, que a «queda livre» foi travada, mas novas e importantes derrapagens no sistema financeiro não são de excluir. Em Portugal várias são as vozes, a começar pelos membros do Governo, a afirmar que o sistema financeiro português está seguro, com saúde e que se recomenda!
Não será tanto assim. Por alguma razão o Banco de Portugal permitiu a «dispersão do lixo tóxico» ao longo de vários anos (para além da admissão da compra de 2 mil milhões de euros de obrigações à Banca), e já afirmou publicamente (Diário Económico, 18.06.09) que quer fusões na Banca! Aliás basta olhar para a evolução alarmante do crédito mal parado para se ficar com uma ideia da solidez da Banca nacional. Também a afirmação de que Portugal já saiu tecnicamente da recessão, procurando com isso afirmar-se que a economia portuguesa já não está em crise, não passa de uma mistificação. Infelizmente Portugal está em divergência com a UE há praticamente dez anos e será quem terá mais dificuldades em recuperar. Acresce que a dívida externa é um garrote para o presente e para o futuro em relação a um programa de relançamento económico. Alguns subestimam-na (Luís Campos e Cunha, Público, 24.07.09) porque se esquecem que de uma forma crescente saem do país milhares de milhões de euros em lucros e rendimentos de capitais do investimento estrangeiro (5) . E como a dominação estrangeira se tem agravado a questão do endividamento externo não depende só da poupança nacional para pagar os juros, mas do grau da nossa dependência.
A nível mundial ainda há muito lixo tóxico, com os Bancos Centrais a financiarem não só os Bancos, mas os próprios Estados e a comprarem massivamente obrigações públicas criando moeda – Inglaterra, Japão – e enquanto a procura global (poder aquisitivo das massas e compras públicas) e o investimento não aumentarem, a crise, com mais ou menos agudeza, vai persistir. Os governantes, depois de terem anunciado tantas retomas, lá vão acrescentando que o crescimento voltará em 2010, mas que será tímido e será puxado no essencial pelos serviços financeiros de uma parte e pela despesa pública por outro (6) .
Ao mesmo tempo estes «gurus» acabam por aceitar que os riscos de inflação e da deflação são simultâneos e que continuam a subsistir, e depois de terem inventado, no passado, a «stagflation» estagnação com inflação, falam agora em slumflation [contracção do inglês slum (crise) e inflação]. Infelizmente o que se pode dizer é que o desemprego vai continuar a aumentar, bem como as dívidas públicas, que pesarão no futuro sobre os impostos de quem trabalha e nos cortes na segurança social e serviços públicos. A OCDE (Jornal de Negócios, 24.07.09) recomendava, cinicamente, que as pensões de reforma deviam subir em 2010 e baixar depois da crise. Afinal a procura, o poder de compra sempre é um factor essencial da crise…
Será também ilusório pensar que os EUA ou a China poderão ser locomotivas para o relance da economia mundial.
A evolução das exportações, do investimento e das actividades produtivas em geral e do comércio externo não permitem grandes optimismos sobre a retoma breve, como alguns o afirmam. Resta o casino da bolsa para dar uma aparência de superação da crise, mas esta não acrescenta valor, apenas o transfere.
Jean Vittori, editorialista dos «Les Echos», escrevia neste jornal, 21.09.09: «Hoje é Magritte que nos dá a chave da economia mundial, não pela sua obra surrealista, mas com o seu quadro representando um cachimbo, comentado com uma frase em baixo, “isto não é um cachimbo”. Esta frase podia legendar qualquer gráfico recente, seja da Bolsa, do moral dos industriais, ou da venda de automóveis. “Isto não é uma retoma”, e isto porque a curva não é mais do que uma imagem da realidade.»
A quadratura do círculo ou as próximas crises
Desenha-se já o quadro de uma futura crise que não deixará de ser menos devastadora. Temos já os ventos da desregulação a soprarem, designadamente no sistema bancário.
Mas a questão mais de fundo é a chamada globalização e do que lhe está associado, as deslocalizações e a livre circulação de capitais. Para muitos países a questão está em saber como aumentar o consumo das massas (não querendo aumentar os salários reais), reduzir os défices e as dívidas externas, combater as desigualdades e lançar um crescimento não especulativo, mais são e ligado às actividades produtivas.
A política de deslocalizações foi teorizada e levada à prática com mais ou menos intensidade por todos os países da OCDE.
Tendo em conta as enormes diferenças salariais e a liberdade de circulação de capitais, a lógica foi deslocalizar a produção, designadamente a industrial, para os países emergentes, com os países desenvolvidos a especializarem-se na produção de bens da mais alta complexidade tecnológica e dos serviços ligados às novas tecnologias, que naturalmente aguentavam salários elevados e protegidos da concorrência internacional! De uma forma simplificada podemos dizer que, durante a primeira fase, isto permitiu a chegada aos países mais desenvolvidos, e em primeiro lugar aos EUA (onde isto foi teorizado nos primeiros anos da administração Clinton), de produtos muito mais baratos, beneficiando os consumidores, sobretudo de menores recursos.
E as perdas de emprego na produção de média e baixa gama foram compensadas pelos serviços e pelo crescimento que, em geral, se verificou.
Só que aquilo que se teorizou não deslocalizável passou a sê-lo pela facilitação das novas tecnologias de informação que alteraram, na prática, o conceito de bem não deslocalizável, e pela avidez lucrativa do grande capital.
Com a passagem do tempo verificou-se que se deslocalizaram milhões de empregos mesmo nos serviços dos países da OCDE e dos EUA, o que levou à perda do poder de compra das massas e ao endividamento crescente, designadamente nos EUA. E este movimento tende a acelerar-se. A desindustrialização dos EUA e de muitos países da OCDE criou um problema novo que está ligado à crise que estamos a viver, à sua saída e às crises futuras. A razão porque as medidas anti-cíclicas já tomadas (baixa das taxas de juro, défices públicos, planos de relançamento financeiro) têm tido resultados muito modestos não está desligada da desindustrialização e da baixa do nível da procura global e do crescimento potencial.
A evolução dos salários reais tem sido negativa ou nula e, portanto, incapaz de alimentar um crescimento forte e sustentado a nível externo e a nível interno, com todos os países a procurarem saídas pelas exportações. Mas como a crise é global, só exportando para a Lua ou para Marte. Resta apenas a destruição das capacidades produtivas excedentárias (falências, encerramentos de empresas). Com as deslocalizações e o não aumento do poder de compra das massas tende a agudizar-se de novo a «sobre-produção em relação à procura solvável», a quadratura do círculo!
Mesmo a reindustrialização no sentido clássico destes países e dos EUA, ou mesmo com indústrias de maior complexidade tecnológica e valor acrescentado, como defendeu Barak Obama, é praticamente irrealizável mantendo-se a liberdade de circulação de capitais. O «modelo» de acumulação assente nas novas tecnologias, produções de alta gama e serviços qualificados e a deslocalização da indústria transformadora de baixa composição orgânica de capital (capital intensivo) para os países emergentes está ultrapassado e esgotado. O futuro do dólar, a dívida externa dos EUA e o seu financiamento, bem como a segurança das reservas chinesa em dólares, estão estritamente ligados e é uma mistura altamente inflamável. E as facturas do salvamento dos banqueiros e do grande capital através da emissão da dívida pública e dos défices orçamentais será cada vez mais pesada para os trabalhadores e os pequenos e médios empresários.
A posição das forças de esquerda em relação a esta crise deve pelo menos (e onde a correlação de forças não permitir mais) fazer avançar a consciência política e social sobre a necessidade estratégica das nacionalizações definitivas das empresas básicas e estratégicas, a começar pelo sistema financeiro, e a ruptura com as políticas neoliberais, se se quiser dar resposta ao desemprego, às crises, à concentração da riqueza e à estagnação e recessão económica.
Notas
(1) O Ministro das Finanças português, numa das suas frases alambicadas dizia (JN, 21.05.09): «podemos estar a aproximarmo-nos do ponto de inflexão entre o pior da crise e a recuperação». O vice-Presidente dos EUA, Joe Biden, depois das declarações optimistas de Obama, veio afirmar que se tinha enganado «que houve uma leitura errada quanto à severidade da crise» nas últimas semanas (Diário Económico, 7.07.09).
(2) No Correio da Manhã (30.06.09) podia-se ler: Bancos triplicam margem de lucro. Sobem o spreads nos novos empréstimos para compensar a descida das Taxas Euribor! Também J. C. Trichet, comentando a quebra do crédito concedido em França, em Julho de 2009, em relação ao período análogo fazia o seguinte apelo através das câmaras de televisão (cadeia de informação contínua ..CI) «nós fizemos esforços consideráveis para vos permitir aceder à liquidez nas melhores condições, os governos fizeram esforços consideráveis para vos não deixar cair, estejam à altura das vossas responsabilidades!». Embora não concretizada, a decisão do Governo português em nacionalizar a COSEC – Companhia de Seguros e Créditos às Exportações – depois das queixas dos exportadores é um exemplo claro da contradição entre os interesses privados e o interesse geral.
(3) Cartas ao Director. Bento XVI para Nobel da Economia (Público, 1/08/09). «A Igreja nem sempre é capaz de saber estar no mundo», D. Manuel Martins (Revista Tabu do SOL, 25.09.09).
(4) O declínio do dólar e o «crediteasing» voltaram de novo a ser objecto de críticas pela China (London Telegraph, 6.09.09). A «monetarização» da dívida pela FED deverá atingir até ao fim do ano 1125 milhares de milhão de dólares, o equivalente a 8% do PIB dos EUA (Calculated Risk, 19.09.09).
(5) Nos últimos anos a saída de capitais tem vindo a aumentar, atingindo no final de 2008 os 20 mil milhões de euros (Boletim Estatístico do Banco de Portugal, Agosto de 2009).
(6) É sabido que a Banca nos EUA revalorizou contabilisticamente os seus activos com um artifício (deixaram de ser pelo valor do mercado)! O último relatório do FED (11.09.09), assinalava uma forte degradação da situação dos mercados imobiliário, comercial e residencial, assim como a queda acentuada do crédito ao consumo. Segundo um estudo da Goldman Sachs (18.09), o volume do crédito mal parado a 90 dias (Non Perfoming Loans) aumentou na Europa 41% no primeiro semestre,140 milhares de milhão na Inglaterra,110 na Itália e 64 em França.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ACERCA DA IMPOSTURA GLOBAL

Alguns leitores têm indagado porque resistir.info tem dado tanta ênfase à denúncia desse mítico aquecimento global, o qual seria um problema aparentemente esotérico e afastado dos objectivos deste sítio web.
Alguns deles chegaram mesmo a dizer que tal denúncia afastar-se-ia da posição "de esquerda", pois publicações e personalidades progressistas (como a Monthly Review e Fidel Castro) têm endossado as preocupações aquecimentistas.
Por essa razão, convém dar alguns esclarecimentos, estabelecer alguns factos e fazer algumas precisões.
Comecemos pelos factos que consideramos estabelecidos:

1) O dióxido de carbono não é um gás tóxico e nem tão pouco poluente. As suas emissões são o resultado inevitável e necessário de toda e qualquer combustão. Trata-se além disso de um gás indispensável à vida na Terra pois ao respirar todos os seres vivos inspiram uma mistura de oxigénio e CO2, expirando este último.
2) Não está provado que as emissões de CO2 de origem antropogénica (isto é, produzidas pelo homem, o que exclui todas as demais emissões naturais desse gás) tenham qualquer efeito significativo para um aquecimento global. Muitos cientistas consideram absolutamente desprezível a contribuição humana para as emissões globais de CO2 que se verificam no planeta.
3) Os dados empíricos demonstram que desde 1998 não está a haver o tão famoso aquecimento global previsto pelos modelos informáticos utilizados pelo Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC) da ONU. Por isso, de forma oportunista, eles mudaram a expressão "aquecimento global" – que já não correspondia à verdade factual – para a expressão mais ambígua de "alterações climáticas" (que sempre existiram ao longo de toda a história do planeta Terra).
4) Os modelos informáticos são por si mesmo falíveis. A teoria da modelação diz-nos que os modelos para serem úteis devem ser relativamente simples, com um número de variáveis limitado. Tentar aplicar a modelação ao clima é um esforço ínvio pois nesse caso o número de variáveis (e de suposições que têm de ser feitas) é gigantesco. Em climatologia pouco de útil pode ser obtido a partir da modelação informática, por mais poderosos que sejam os computadores (embora não se passe o mesmo com a meteorologia).
5) O caso torna-se ainda pior se um método mau como a modelação informática tiver como base uma teoria caduca. É precisamente isto o que se passa com os modelos climatológicos utilizados pelo IPCC, concebidos no princípio do século XX (antes portanto da existência de satélites meteorológicos). A moderna teoria climatológica foi estabelecida pelo grande cientista francês Marcel Leroux (1938-2008), da Université Jean Moulin, em Lyon. O parecer do professor Marcel Leroux acerca desse suposto aquecimento global está resumido no seu artigo "Uma impostura científica" .
6) O IPCC não é uma organização de cientistas e sim de burocratas, geralmente bem pagos, nomeados pelos governos. É mentira que o IPCC disponha de três mil cientistas especializados em climatologia, como tem sido tantas vezes apregoado. E é igualmente mentira a afirmação de que haveria "consenso científico" quanto ao dogma aquecimentista.
7) Se estivesse a haver algum aquecimento global no planeta Terra isso não seria mau para a humanidade.

Numerosas regiões do mundo poderiam passar a ter agriculturas produtivas. A Gronelândia, por exemplo – a "Terra Verde" como a chamaram os vikings – dispunha de agricultura na época do Período Quente Medieval.
Pode-se mesmo afirmar que o berço da civilização ocidental foi numa terra extremamente quente: a Mesopotâmia (actual Iraque), entre o Tigre e o Eufrates. Civilizações como a egípcia e a azteca floresceram em climas quentes.
Mas por que deveríamos preocupar-nos com tais questões, que são na maioria do foro estritamente científico?

Porque com base nos erros teóricos e práticos do IPCC foi propagandeada uma gigantesca histeria global que inoculou políticos de todo o mundo e deu azo a toda espécie de oportunismos, manifestações de ignorância & trafulhices.
Para isso muito contribuíram aldrabões como o sr. Al Gore (vice-presidente dos EUA no governo Clinton), que promoveu activamente o terrorismo climático através do livro e do filme "Uma verdade inconveniente".
Instilar o medo a fim de vender a solução tem sido uma táctica dos espertalhaços de todos os tempos.
Este caso não foge à regra, pois Gore e outros inventaram o novo business da venda dos direitos de emissão de carbono – e os banqueiros da Wall Street obviamente rejubilaram.
Alguns indivíduos especializaram-se nessas loucas previsões catastrofistas.
É o caso por exemplo do sr. James Hansen, o pai disto tudo, que até fala em subidas do nível dos mares da ordem das dezenas (!) de metros.
Por outro lado, a absurda intensidade publicitária dada ao falso problema do aquecimento global e das diabolizadas emissões de CO2 tem provocado problemas em série, todos mais ou menos encadeados uns nos outros.

O primeiro deles é desviar as atenções das questões realmente importantes.
E sobretudo da mais importante da nossa era, aquela que condicionará todo o nosso devir e afectará duramente nosso modo de vida futuro: o atingir do Pico Petrolífero.
Tal facto é sistematicamente silenciado pelos media ditos "de referência" e ignorado por políticos cujo horizonte temporal não passa de quatro anos (basta ver os actuais governantes portugueses que, em conluio com banqueiros, querem construir um novo aeroporto no país no exacto momento em que se anuncia a estagnação/declínio do transporte aéreo).
O segundo problema é o gigantesco desvio de recursos financeiros e humanos provocado em todo o mundo pela aldrabice do aquecimento global.

Só com o dinheiro gasto em conferências internacionais como as de Bali e agora a de Copenhagem, quantas coisas não poderiam ser feitas!
Isto é verdadeiro também em relação a Portugal, onde os governos do sr. Sócrates têm despejado rios de dinheiro em organizações tais como SIAM I, SIAM II, PNAC, CAC, FPC, gabinetes de consultoria e outras tantas criadas ad hoc para o aproveitamento deste maná orçamental.
Já foi instituída uma verdadeira indústria do aquecimento global.
Em terceiro lugar verifica-se a deformação das políticas energéticas, pois foram postas a reboque do mito climático.

Basta ver, por exemplo, o facto de a UE impor limitações de emissões de CO2 nos automóveis hoje fabricados na Europa. Ou seja, ao invés de estabelecer níveis mínimos de rendimento para os motores ou de impor restrições quanto às emissões que são realmente poluentes (como o SO2, os óxidos de azoto, as partículas sólidas, etc) a limitação é imposta a um gás não poluente.
Isto é, mais uma vez, um exemplo de confusão sistemática entre ambiente e clima, em que o primeiro é prejudicado sem qualquer benefício para o segundo.
Em quarto lugar toda esta imensa histeria global – que vai culminar amanhã, 7 de Dezembro, na Conferência de Copenhagem – constitui uma derrota para a Ciência.

O cepticismo público que isto pode provocar é um crime sem par na história do pensamento científico.
Não nos referimos apenas ao recente escândalo com os investigadores britânicos e americanos que aldrabavam estatísticas e censuravam os seus colegas nas peer review , o Climategate .
É muito mais do que isso: é a possível desmoralização da própria ciência em geral, enquanto tal, abrindo caminho para o irracionalismo.
Uma amostra caricata disso é que se chegou a fazer em Portugal um estudo para o combate às "alterações climáticas" ao nível municipal (!).
Em quinto lugar está a deformação das políticas energéticas de muitos países. Isso é visível em Portugal, onde os governos têm estimulado e subsidiado soluções irracionais do ponto de vista económico e energético com base na falácia do aquecimento global e das malfadadas emissões de CO2.

Basta lembrar, por exemplo, a desgraçada política de subsídio aos biocombustíveis líquidos e agora aos veículos eléctricos (quando Portugal é importador líquido de quilowatts-hora); o não apoio às boas soluções possíveis nos transportes (como os veículos a gás natural, que podem utilizar biometano, gás natural comprimido ou gás natural liquefeito); a promoção ruinosa de energias ditas renováveis às custas dos subsídios da perequação tarifária; etc; etc.
A ignorância (deliberada?) do Pico Petrolífero e a falácia do Protocolo de Quioto levam a tais aberrações.
Estamos numa época em que deveria haver planeamento energético a fim de promover uma "fuga" ao petróleo, tão grande e tão rápida quanto possível. Governos clarividentes como o da Suécia já descobriram isso, o português ainda não. Mas os erros de hoje terão de ser pagos amanhã – e o preço pode ser caro.
Finalmente, há a observação curiosa de a posição do resistir.info não ser "de esquerda".

No entanto, as questões científicas não são "de esquerda" nem "de direita" pois o que deve prevalecer é a busca da verdade.
A ciência faz-se também por ensaio e erro.
Uma teoria científica que foi válida numa certa época (como a climatologia elaborada no princípio do século XX) pode/deve ser sujeita à crítica e superada por outra melhor (como o fez Marcel Leroux).
Não há uma climatologia "de esquerda" ou "de direita", assim como não há física ou matemática que mereçam esses epítetos. Mas a insistência em aplicar uma teoria caducada quando já está disponível uma nova, melhor e com mais poder explicativo é certamente uma posição reaccionária.
Entende-se que insistam na velha teoria aqueles cujas convicções científicas se amoldam ao seu próprio interesse (empregos, business do carbono, financiamentos, etc). Mas é menos compreensível que personalidades e publicações progressistas, talvez por desconhecimento, ainda se apoiem na mesma.
É possível que o recente escândalo do Climategate lhes abra os olhos.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

AINDA SOBRE A GRIPE A/H1N1

ALGUNS DADOS CIENTÍFICOS

Os dois primeiros casos conhecidos da nova gripe (vírus A/H1N1, estirpe S-OIV) diagnosticaram-se na Califórnia (EUA) no dia 17 de Abril de 2009 [1].
A nova gripe não é nova por ser do tipo A, nem tampouco por ser do subtipo H1N1: a epidemia de gripe de 1918 foi do tipo A/H1N1 e desde 1977 os vírus A/H1N1 fazem parte da época da gripe anual [2]; a única coisa que é nova é a estirpe S-OIV [3] [4].
Cerca de 33% das pessoas maiores de 60 anos parecem ter imunidade a este tipo de vírus da nova gripe [5].
Desde o seu início até 15 de Setembro de 2009, morreram com esta gripe 137 pessoas na Europa e 3.559 em todo o mundo [6]; há que ter em atenção que anualmente morrem na Europa entre 40.000 e 220.000 pessoas devido à gripe [7].
Como já disseram publicamente reconhecidos profissionais de saúde – entre eles o Dr. Bernard Debré (membro do Conselho Nacional de Ética em França) e o Dr. Juan José Rodriguez Sendin (presidente da Associação de Colégios Médicos do Estado espanhol) –, os dados desta temporada, pela qual já passaram os países do hemisfério Sul, demonstram que a taxa de mortalidade e de complicações da nova gripe é inferior à da gripe anual [8].
Irregularidades que têm de ser explicadas
Em finais de Janeiro de 2009, a filial austríaca da empresa farmacêutica norte-americana Baxter distribuiu a 16 de laboratórios da Áustria, Alemanha, República Checa e Eslovénia, 72 kg de material para preparar vacinas contra o vírus da gripe da anual; as vacinas tinham de ser administradas à população destes países durante os meses de Fevereiro e Março; antes que qualquer destas vacinas fosse administrada, um técnico de laboratório da empresa BioTest da República Checa decidiu, por sua conta, experimentar as vacinas em furões, que são os animais que desde 1918 são utilizados para estudar as vacinas para a gripe; todos os furões vacinados morreram.
Investigou-se então em que consistia exactamente o material enviado pela casa Baxter e descobriu-se que continha vírus vivos da gripe das aves (vírus A/H5N1) combinados com vírus vivos da gripe anual (vírus A/H3N2). Se esta contaminação não tivesse sido descoberta a tempo, a pandemia que sem base real as autoridades sanitárias globais (OMS) e nacionais estão a anunciar, seria agora uma espantosa realidade; esta combinação de vírus vivos pode ser particularmente letal porque combina um vírus vivo com cerca de 60% de mortalidade mas pouco contagioso (o vírus da gripe das aves) com um outro que tem uma mortalidade muito baixa mas com uma grande capacidade de contágio (o vírus da gripe sazonal) [9].
Em 29 de Abril de 2009, quando apenas tinham passado 12 dias sobre a detecção dos dois primeiros casos da nova gripe, a Drª Margaret Chan, directora-geral da OMS, declarou que o nível de alerta por perigo de pandemia se encontrava na fase 5 e mandou que todos os governos dos Estados membros da OMS activassem planos de emergência e de alerta sanitário máximo; um mês mais tarde, 11 de Junho de 2009, a Drª Chan declarou que no mundo já tínhamos uma pandemia (fase 6) causada pelo vírus A/H1N1 S-OIV [10]. Como pode fazer tal declaração quando, de acordo com os dados científicos expostos acima, a nova gripe é uma realidade mais benigna que a gripe sazonal e, além disso, não é um vírus novo e ao qual parte da humanidade está imune?

Pôde declará-lo porque no mês de Maio a OMS tinha alterado a definição de pandemia: antes de Maio de 2009 para poder ser declarada uma pandemia era necessário que por causa de um agente infeccioso morresse uma proporção significativa da população. Esta exigência – que é a única que dá sentido à noção clínica de pandemia e às medidas políticas que lhe estão associadas – foi eliminada da definição adoptada no mês de Maio de 2009 [11], depois dos EUA se terem declarado em «estado de emergência sanitária nacional», quando em todo o país havia apenas 20 pessoas infectadas com a nova gripe, e nenhuma delas tinha morrido [12].
Consequências políticas da declaração de «pandemia»
No contexto de uma pandemia é possível declarar a vacinação obrigatória para determinados grupos de pessoas ou, inclusivamente, para o conjunto dos cidadãos [13].
O que é que pode acontecer a uma pessoa que decida não se vacinar? Enquanto a vacinação não for declarada obrigatória não lhe pode acontecer nada; mas se chegasse a declarar-se a vacinação obrigatória, o Estado tem a obrigação de fazer cumprir a lei impondo multa ou prisão (no estado de Massachussetts dos EUA a multa para estes caso pode chegar a 1.000 dólares por cada dia que passe sem o prevaricador se vacinar) [14].
Perante isto, há quem possa pensar: se me obrigam, vacino-me e já está, a vacina é mais ou menos como a sazonal, também não há para todos…
É preciso que se saiba que há três novidades que fazem com que a vacina da nova gripe seja diferente da vacina da gripe anual: a primeira é que a maioria dos laboratórios está a desenhar a vacina de forma que uma só injecção não seja suficiente e sejam necessárias duas; a OMS recomenda também que não se deixe de administrar a da gripe sazonal; quem seguir estas recomendações da OMS expõe-se a ser infectado três vezes e isto é uma novidade que, teoricamente, multiplica por três os possíveis efeitos secundários, embora na realidade ninguém saiba que efeitos podem causar, pois nunca antes se fez assim. A segunda novidade é que alguns dos laboratórios responsáveis pela vacina decidiram adicionar-lhe coadjuvantes mais potentes que os utilizados até agora nas vacinas anuais. Os coadjuvantes são substâncias que se adicionam às vacinas para estimular o sistema imunitário. A vacina da nova gripe que está a ser fabricada pelo laboratório Glaxo-Smith-Kline, por exemplo, contém um coadjuvante, AS03, uma combinação que multiplica por dez a resposta imunitária. O problema é que ninguém pode assegurar que este estímulo artificial do sistema imunitário não provoque, passado algum tempo, doenças auto-imunitárias graves, como a paralisia crescente de Guillain-Barré [15]. E a terceira novidade que distingue a vacina para a nova gripe da vacina anual, é que as companhias farmacêuticas que a fabricam estão a exigir que os Estados assinem acordos que lhes garantam a impunidade no caso de as vacinas terem mais efeitos secundários que os previstos (por exemplo prevê-se que a paralisia Guillain-Barré venha a afectar 10 pessoas por cada milhão de vacinados); os EUA já assinaram estes acordos que garantem, tanto às farmacêuticas como aos políticos, a retirada de responsabilidade pelos possíveis efeitos secundários da vacina [16].
Uma reflexão
Se o envio de material contaminado fabricado pela Baxter não tivesse sido casualmente descoberto em Janeiro passado, efectivamente, ter-se-ia dado a gravíssima pandemia potencialmente causadora da morte de milhões de pessoas que alguns andam a anunciar. É inexplicável a falta de ressonância política e mediática do que aconteceu em Fevereiro no laboratório checo. Ainda mais inexplicável o grau de irresponsabilidade demonstrado pela OMS, pelos governos, pelas agências de controlo e prevenção de doenças ao declarar uma pandemia e promover um nível de alerta sanitário máximo sem uma base real. É irresponsável e inexplicável até extremos inconcebíveis o bilionário investimento saído do erário público destinado ao fabrico milhões e milhões de doses de vacina contra uma pandemia inexistente, ao mesmo tempo que não há dinheiro suficiente para ajudar milhões de pessoas (mais de 5 milhões só nos EUA) que por causa da crise perderam o seu trabalho e a sua casa.
Enquanto não forem clarificados estes factos, o risco de este Inverno serem distribuídas vacinas contaminadas e o risco de poderem ser adoptadas medidas legais coercivas para forçar a vacinação, são riscos reais que em caso algum podem ser desvalorizados.
No caso da gripe continuar tão benigna como até agora, não faz qualquer sentido a exposição ao risco de receber uma vacina contaminada ou o de sofrer uma paralisia Guillain-Barré.
No caso de a gripe se agravar de forma inesperada, como já há meses anunciam sem qualquer base científica um número surpreendente de altos dirigentes – entre eles a Directora-Geral da OMS –, e repentinamente, comecarem a morrer muito mais pessoas do que é habitual, ainda terá menos sentido deixar-se pressionar para ser vacinado, porque uma surpresa assim só poderá significar duas coisas:
1. Que o vírus da gripe A que agora circula sofreu uma mutação;
2. Que está em circulação outro (ou outros) vírus.
Em qualquer dos casos a vacina que se está a preparar agora não serviria para nada e, tendo em conta o que aconteceu em Janeiro passado com a Baxter, podia ser, inclusivamente, que servisse de veículo de transmissão da doença.
Uma proposta
A minha proposta é clara:
Além de manter a calma, tomar precauções sensatas para evitar o contágio e não se deixar vacinar, coisa que já propõem muitas pessoas com senso comum no nosso país [Espanha].
Apelo a que se active com carácter de urgência os mecanismos legais e de participação cidadã necessários para assegurar de forma rotunda que no nosso país não se poderá forçar ninguém a vacinar-se contra a sua vontade, e que os que decidirem livremente vacinar-se não serão privados do direito de exigir responsabilidades nem do direito de serem economicamente compensados (eles ou os seus familiares), no caso de a vacina lhes causar uma doença grave ou a morte.

Notas:
[1] Zimmer SM, Burke, DS. Historical Perspective: Emergence of Influenza A (H1N1) viruses. NEJM, Julio 16, 2009. p. 279
[2] 'The reemergence was probably an accidental release from a laboratory source in the setting of waning population immunity to H1 and N1 antigens', Zimmer, Burke, op. cit., p. 282
[3] Zimmer, Bunker, op. cit., p. 279
[4] Doshi, Peter. Calibrated response to emerging infections. BMJ 2009;339:b3471
[5] US Centers for Disease Control and Prevention. Serum cross-reactive antibody response to a novel influenza A (H1N1) virus after vaccination with seasonal influenza vaccine. MMWR 2009; 58: 521-4.
[6] Dados oficiais do Centro Europeu para o controlo e prevenção de doenças (www.ecdc.europa.eu).
[7] Dados oficiais do Centro Europeu para o controlo e prevenção de doenças (www.ecdc.europa.eu)
[8] Cf. Le Journal du Dimanche (25 juliol '09): Debré: 'Cette grippe n'est pas dangereuse'; cf. La Razón (4 septiembre '09): Rodríguez Sendín: Cordura frente el alarmismo en la prevención de la gripe A
[9] Cf. Virus mix-up by lab could have resulted in pandemic. The Times of India, sección de ciencia, 6 marzo 2009.
[10] http://www.who.int/mediacentre/news/statements/2009
[11] Cohen E. When a pandemic isn't a pandemic. CNN, 4 de mayo '09. http://edition.cnn.com/2009/HEALTH/05/04/swine.flu.pandemic/index.html
[12] Doshi Peter Calibrated response to emerging infections VMJ 2009;339:b3471
[13] Falkiner, Keith. Get the rushed flu jab or be jailed. Irish Star Sunday, 13 septiembre '09.
[14] Senate Bill n. 2028: An act relative to pandemic and disaster preparation and response in the commonwealth. 4 agosto '09. Cf. Moore, RT. Critics rage as state prepares for flu pandemic. 11 septiembre '09. WBUR Boston.
[15] Cf. Vaccination H1N1: méfiance des infirmières. www.syndicat-infirmier.com/Vaccination-H1N1-mefiance-des.htlm
[16] Stobbe, Mark. Legal immunity set for swine flu vaccine makers. Associated Press, 17 Julio '09.

Texto publicado no sítio da Coordenadora Antiprivatização de Saúde Pública, Madrid, (www.casmadrid.org), em Setembro de 2009.* Teresa Forcades i Vila, monja beneditina do Mosteiro de San Benedito em Montserrat, Barcelona, é doutorada em Saúde Pública, especialista em Medicina Interna pela Universidade de Nova Iorque, autora entre outros livros de «Los crimines de las grandes compañias farmaceuticas

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A NOVA CP

Um exemplo da face do neo-liberalismo consagrado no Tratado de Lisboa:

Por Henrique Custódio, jornalista

O Ferroviário, boletim do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário (SNTSF), consultou as fontes da própria CP (designadas «Balanços Sociais da CP, REFER e EMEF») e apresentou resultados comparados entre 1992 (último ano da existência da CP como empresa pública) e 2008 (onde a CP está desmembrada e semi-privatizada em três empresas, CP+REFER+EMEF).
As comparações são chocantes.
Em termos de efectivos globais, desde 1992 até 2008 o número de trabalhadores diminuiu 10.218 em todas as áreas, à excepção do núcleo dirigente, onde houve um aumento de 11 gestores e 502 quadros superiores.
Daqui resultou que a relação trabalhador/quadro superior, que em 1992 era de 35 para 1, passou em 2008 a ser de 9 para 1...
O SNTSF não hesita em assinalar que, na actual CP semi-privatizada e desmembrada, «reduz-se na área da produção para dar lugar, em muitos casos, aos “boys” dos diversos governos».
Quanto às despesas com pessoal, as assimetrias tornaram-se também abissais: entre 1992 e 2008 os custos com gestores cresceram 110%, enquanto com os restantes trabalhadores (onde se incluem os quadros superiores) cresceram apenas 23%.
«Por isso as assimetrias se acentuam e os trabalhadores vêem as injustiças a crescer», frisa o Sindicato.
Mas o pior de tudo é que, ao contrário do que prometeram, os resultados não melhoraram, antes pelo contrário:
Hoje, as empresas divididas custam muito mais ao erário público do que em 1992, quando a CP era única no sector.
Os números não enganam e são arrasadores:
Em 1992, a CP tinha um défice acumulado de 178.048.602,87 euros (cerca de 178 milhões de euros); em 2008, o conjunto das três empresas (CP+REFER+EMEF) atingiram o défice acumulado de 433.202.416,46 euros (cerca de 433 milhões de euros), ou seja, entre 1992 e 2008 a CP aumentou quase duas vezes e meia o seu défice acumulado.
Todos nos lembramos da argumentação expendida pelos governantes da altura (como sempre, do PS ou do PSD/CDS), para justificar o desmembramento da CP em três empresas e decorrente entrega aos privados dos segmentos lucrativos: era imprescindível reduzir o défice da CP, a par de rentabilizar e agilizar o transporte ferroviário em Portugal.
O resultado está à vista:
O défice da CP passou, em 15 anos, para quase o triplo, o transporte ferroviário degradou-se, «encurtando» com a supressão regular de linhas e ramais, deixou de servir populações inteiras e vastas regiões porque a sua componente «privada» passou a privilegiar as linhas imediatamente rentáveis e a subalternizar ou a abandonar o que fosse «apenas» estratégico e de interesse público, tanto para as pessoas como para a economia e o desenvolvimento nacional – enfim, o transporte ferroviário, por definição mais económico, sustentado e ecológico foi sendo paulatinamente substituído pelo transporte rodoviário, muito mais caro e poluente.
A componente pública que se manteve na «nova CP» - fragmentada e semi-privatizada - tem servido para três coisas:
Para canalizar os dinheiros públicos, que por sua vez irão cobrir todos os défices, desmandos e investimentos necessários às explorações rentáveis e entregues de mão beijada aos privados e, finalmente, para alimentar a multidão de «amigos» dos sucessivos governos e governantes, por ali acomodados entre uma tão crescente legião de «gestores e quadros superiores» que, actualmente, o rácio já é de um desses quadros por nove trabalhadores... »

quarta-feira, 22 de julho de 2009

CARTA ABERTA

Á MINISTRA DA EDUCAÇÃO

Pelo professor Santana Carrilho

O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DEVIA PASSAR A CHAMAR-SE MINISTÉRIO DA CERTIFICAÇÃO E DAS NOVAS OPORTUNIDADES.

Senhora ministra:
Dentro de poucos meses partirá para um exílio dourado.
Obviamente que partirá, seja qual for o resultado das eleições.
É tempo de lhe dizer, com frontalidade, e antes que o ruído da campanha apague o meu grito de revolta, como a considero responsável por quatro anos de Educação queimada.
Este qualificativo metafórico ganhará realismo à medida que aqui for invocando os falhanços mais censuráveis, alguns apenas, dos muitos que fazem de si, politicamente, uma
predadora do futuro da escola pública.
Se se sentir injustiçada, tenha a coragem de marcar o contraditório, cara a cara, onde e quando quiser, perante professores, alunos, pais e demais cidadãos votantes.
Por uma vez, sairia do ciclo propagandístico em que sempre se moveu.
A senhora ministra falhou estrondosamente com o sistema de avaliação do desempenho dos
professores, a vertente mais mediática da enormidade a que chamou estatuto de carreira.
A sua intenção não foi, nunca, como lhe competia, dignificar o exercício de uma profissão estratégica para o desenvolvimento do país.
A senhora anda há um ano a confundir classificação do desempenho com avaliação do desempenho e demonstrou ignorar o que de mais sério existe na produção teórica sobre a matéria. Permitiu e alimentou mentiras inomináveis sobre o problema.
O saldo é claro e incontestável: da própria aberração técnica que os seus especialistas pariram nada resta.
Terá os professores classificados com bom, pelo menos, exactamente o que criticava quando começou a sua cruzada, ridiculamente fundamentalista.
A que preço? Coisa difícil de quantificar.
Mas os cacos são visíveis e vão demorar anos a reunir: o maior êxodo de todos os tempos de profissionais altamente qualificados; a maior fraude de que há memória quando machadou com critérios de vergonha carreiras de uma vida; o retorno à filosofia de que o trabalho é obrigação de escravos.
Não tem vergonha desta coroa?
Não tem vergonha de vexar uma classe com a obrigação de entregar objectivos individuais no
fim do ano, como se ele estivesse a começar?
Acha sério mascarar de rigor a farsa que promoveu?
A senhora ministra falhou quando fez aprovar um modelo de gestão de escolas, castrador e
centralizador.
Não repito o que então aqui escrevi.
Ainda os directores estão a chegar aos postos de obediência e já os factos me dão razão.
Invoco o caso do Agrupamento de Santo Onofre, onde gestores competentes e legalmente providos foram vergonhosamente substituídos; lembro-lhe a história canalha de
Fafe, prenúncio caricato de onde nos levará a municipalização e a entrega da gestão aos arrivistas partidários; confronto-a com o silêncio cúmplice sobre a suspensão arbitrária de um professor em Tavira, porque o filho do autarca se magoou numa actividade escolar, sem qualquer culpa do docente.
Dá-se conta que não tem qualquer autoridade moral para falar de autonomia das escolas?
A senhora ministra falhou quando promoveu a escola que não ensina.
Mostre ao país, a senhora que tanto ama as estatísticas, quanto tempo se leva hoje para fazer, de uma só tirada, os 7.º, 8.º e 9.º anos e, depois, os 10.º, 11.º e 12.º. E sustente, perante quem conhece, a pantomina que se desenvolveu à volta do politicamente correcto conceito de escola inclusiva, para lá manter, a qualquer preço, em ridículas formações pseudoprofissionais, os que antes sujavam as estatísticas que a senhora oportunistamente branqueou.
Ou se vir discutir publicamente a demagogia de prolongar até aos 18 anos a obrigatoriedade de frequentar a escola, no contexto do país real e quando estamos ainda tão longe de cumprir o actual período compulsivo, duas décadas volvidas sobre o respectivo anúncio.
Do mesmo passo, esclareça (ainda que aqui a responsabilidade seja partilhada) que diferenças existem entre o anterior exame ad hoc e o pós-moderno "mais de 23", para entrar na universidade.
Compreendo, portanto, que no pastel kafkiano a que chamou estatuto de carreira não se encontre o vocábulo ensinar.
Lá nisso, reconheço, foi coerente. Só lhe faltou mudar o nome à casa onde pontifica.
Devia chamar-se agora, com propriedade, Ministério da Certificação e das Novas Oportunidades.
Não tem remorsos?
A senhora ministra falhou rotundamente quando promoveu um estatuto do aluno que não
ajuda a lidar com a indisciplina generalizada; quando deu aos alunos o sinal de que podem passar sem pôr os pés nas aulas e, pasme-se, manifestou a vontade de proibir as reprovações, segundo a senhora, coisa retrógrada.
A senhora ministra falhou quando defendeu uma sociedade onde os pais não têm tempo para estar com os filhos.
A senhora ministra falhou quando permitiu, repetidas vezes, que crianças fossem usadas em actividades de mera propaganda política.
A senhora ministra falhou quando encomendou e pagou a peso de ouro trabalhos que não foram executados, para além de serem de utilidade mais que duvidosa.
Voltou a falhar quando deslocou para os tribunais o local de interlocução com os seus parceiros sociais, consciente de que o Direito nem sempre tem que ver com a Justiça.
Falhou também quando baniu clássicos da nossa literatura e permitiu a redução da Filosofia.
Falhou ainda quando manipulou estatisticamente os resultados escolares e exibiu os que não se verificaram. Falhou igualmente quando votou ao abandono crianças deficientes e professores nas vascas da morte.
Falhou, por fim, quando se deixou implicar no logro do falso relatório da OCDE e no deslumbramento saloio do Magalhães.
Por tudo isto e muito mais que aqui não cabe, a senhora é, em minha opinião, uma ministra falhada.
Parte sem que eu por si nutra qualquer espécie de respeito político ou intelectual.

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

terça-feira, 30 de junho de 2009

CRÓNICA INTERNACIONAL

Por Jorge Cadima


CONSELHOS AMIGOS
O delírio da comunicação social e dos governos euro-americanos perante as eleições iranianas – seja qual for a verdade dos factos e a avaliação do regime iraniano - sugere alguns conselhos amigos.
Que tal mandar os governantes da Florida (no ano 2000) e do Ohio (em 2004) para ensinar aos iranianos como se organizam eleições a sério?
Que tal enviar para Teerão os responsáveis pela prisão de Abu Graibe no Iraque ocupado, ou do campo de concentração de Guantanamo, para ensinar a médio-orientais medievais os altos padrões democrático-ocidentais no tratamento de presos políticos?
Que tal enviar o Presidente do Perú, Alan Garcia (aliado de Washington e membro da Internacional Socialista) para o Irão, para ensinar como se pode massacrar dezenas de manifestantes (há pouco mais de duas semanas) a partir de helicópteros, perante o silêncio cúmplice da comunicação social e dos governantes ocidentais?
Poderia até ser acompanhado pelos chefes militares americanos que, segundo o próprio governo afegão, massacram rotineiramente dezenas de civis a partir de aviões, motivando por parte duma chocadíssima União Europeia a duríssima reacção de mandar cada vez mais tropas para combater ao lado dos «nossos aliados» aero-assassinos.
E mandem também os governantes israelitas que massacram palestinos há 60 anos sem que «o Ocidente» perca sono.
Que tal enviar para Teerão os chefes dos Estados mais pró-americanos do mundo islâmico, como a Arábia Saudita e o Egipto, para ensinar o que é a verdadeira democracia liberal e ocidental?
A Arábia Saudita possui, aliás, reconhecidos especialistas na organização de todo o tipo de eleições, o que lhe tem valido ser o mais fiel aliado dos EUA na região desde há décadas.
A União Europeia, que neste último fim-de-semana decidiu repetir o referendo ao Tratado de Lisboa na Irlanda (o único que não conseguiu impedir), pode enviar Durão Barroso (acompanhado de franceses, holandeses, dinamarqueses) para leccionar sobre o enorme respeito que é preciso sempre ter pela vontade dos povos expressa em consultas eleitorais.
As elites dirigentes do mundo ocidental-capitalista, que durante estes dias debitaram acusações e exigências aos dirigentes iranianos, podem ensinar mais coisas úteis.
O primeiro ministro italiano Berlusconi pode organizar sessões sobre «good governance» para ensinar aos sisudos governantes iranianos como se gere os bens públicos com altos padrões de rigor e moral - no intervalo entre bacanais.
Os responsáveis económicos dos EUA, da General Motors, da AIG, do Citibank, da Lehman Brothers, da União Europeia (com a Letónia à cabeça) e da Islândia, podem ensinar como se gere uma economia.
E os parlamentares britânicos podem ensinar elevados padrões de ética e moral aos congéneres iranianos, enquanto Tony Blair e o seu ex-ministro Gordon Brown palestram sobre a importância da verdade na vida política.
Dizem-nos que houve fraude eleitoral.
Também nos disseram que havia armas de destruição em massa no Iraque.
E genocídio nos Balcãs.
E que os fundamentos das economias eram «sólidos».
Porque havemos de acreditar neles?
Também na Venezuela foram capazes de pôr milhares na rua (sobretudo das classes médio-altas) a exigir o derrube «do ditador» que tem ganho legitimamente eleição após eleição (com o voto popular).
Organizaram mesmo um golpe de Estado, para gáudio da CNN.
Vai sendo usual, da Ucrânia à Moldávia, que quando o candidato apoiado pelos americanos não ganha as eleições se grite «fraude» e se organizem desacatos.
A enviada da RTP Márcia Rodrigues, insuspeita de simpatias pelo regime, falou de apoio popular e de gigantescos comícios de Ahmadinejad, que nunca surgiram nas TVs anglo-americanas.
Não é segredo que o Irão tem sido alvo de ameaças e agressões dos EUA, GB e Israel.
É um país rodeado de muitas dezenas de milhares de soldados dos EUA, nos vizinhos Iraque e Afeganistão.
A CIA têm um plano para «desestabilizar e eventualmente derrubar» (Telegraph, 27.5.07) o contraditório e dividido regime iraniano.
Porque havemos de acreditar na palavra deles?
Se mais este episódio «Revolução Colorida – Parte X» não surtir efeito, talvez Durão Barroso venha a acolher a «Cimeira das Lajes – Parte II».
Os mil milhões (!) de seres humanos que, segundo a ONU, passam fome (BBC, 20.6.09) – mais cem milhões que há um ano atrás (!) - terão de esperar.
O imperialismo tem outras prioridades.

sábado, 23 de maio de 2009

A CRISE COMO VIA PARA A MONTAGEM
DE UM ESTADO TOTALITÁRIO GLOBAL

por Olga Chetverikova

21/Abril/2009

Enquanto a crise financeira e económica mundial vai atingindo o seu auge, os dirigentes da comunidade ocidental andam a tentar instilar na humanidade a ideia de que essa revolução vai acabar por 'transformar o mundo numa coisa diferente'.
Apesar de a imagem da 'nova ordem mundial' se manter vaga e confusa, a ideia central é clara. Na sequência desse raciocínio é preciso instituir um governo global único, se quisermos evitar que reine o caos geral.
Volta não volta, os políticos ocidentais referem à necessidade de uma 'nova ordem mundial', de uma 'nova arquitectura financeira mundial', ou de qualquer tipo de 'controlo supranacional', chamando-lhe um 'Novo Acordo' para todo o mundo. Nicolas Sarkozy foi o primeiro a falar nisso, quando se dirigiu à Assembleia-Geral da ONU em Setembro de 2007 (ou seja, antes da crise).
Durante a reunião de Fevereiro de 2009 em Berlim, destinada a preparar a cimeira dos G20, Gordon Brown repetiu o mesmo, dizendo que era necessário um Novo Acordo à escala mundial. Estamos conscientes, acrescentou, que no que diz respeito aos fluxos financeiros mundiais, não conseguiremos sair desta situação apenas com a ajuda das entidades puramente nacionais. Precisamos de entidades e de vigilantes mundiais para conseguir que as actividades das instituições financeiras que operam nos mercados mundiais se nos abram totalmente. Tanto Sarkozy como Brown são protégés dos Rothschilds. Algumas declarações feitas por certos representantes da 'elite global' indicam que a actual crise está a ser utilizada como um mecanismo para provocar o agravamento de alguns motins sociais que poderão levar a humanidade – mergulhada como já está no caos e assustada com o espectro duma violência generalizada – a reclamar espontaneamente a intervenção de um árbitro 'supranacional' com poderes ditatoriais nas questões mundiais.
Os acontecimentos estão a seguir o mesmo caminho da Grande Depressão de 1929-1933: uma crise financeira, uma recessão económica, conflitos sociais, a instituição de ditaduras totalitárias, incitando a uma guerra para concentrar o poder, e o capital, nas mãos dum pequeno grupo. Mas, desta vez, a questão central é a fase final da estratégia de 'controlo global', em que com um sopro se derruba a instituição da soberania estatal nacional, seguindo-se uma transição para um sistema de poder privado de elites transnacionais.
Já nos finais dos anos de 1990, David Rockefeller, autor da ideia de que o poder privado deve substituir os governos, disse que nós (o mundo) estávamos no limiar de mudanças globais. Tudo o que é preciso, prosseguiu, é uma crise qualquer a grande escala que faça com que o povo aceite a nova ordem mundial.
Jacques Attali, conselheiro de Sarkozy e antigo chefe do EBRD [European Bank for Reconstruction and Development], afirmou que as elites tinham sido incapazes de resolver os problemas da divisa dos anos 30. Receava, disse ele, que voltasse a acontecer um erro semelhante. Primeiro vamos travar guerras, continuou, e deixar morrer 300 milhões de pessoas. Só depois é que virão as reformas e um governo mundial. Não seria melhor pensar já nesta fase num governo mundial? perguntou.
Henry Kissinger afirmou a mesma coisa. Em última análise, a principal tarefa é definir e formular as preocupações gerais da maior parte dos países, e também de todos os principais estados no que se refere à crise económica, tendo em conta o receio colectivo de um jihad terrorista. Depois, tudo isso tem que ser transformado numa estratégia de acção comum… E assim a América e os seus parceiros potenciais têm uma oportunidade única de transformar o momento da crise numa visão de esperança.
O mundo está a ser convencido a aceitar a ideia da 'nova ordem' a pouco e pouco para impedir que surjam incidentes que poderão muito bem levar a que os protestos universais contra as condições cada vez piores da existência humana entrem num 'caminho errado' e deixem de poder ser controlados. A principal coisa que a Fase Um conseguiu concretizar foi iniciar uma discussão de amplo espectro sobre o 'governo global' e a 'não aceitação do proteccionismo' com ênfase no 'desencanto' dos modelos de estados-nacionais para a saída da crise.
Esta discussão continua tendo como pano de fundo as pressões da informação que ajudam a construir as ansiedades humanas, o medo, e a incerteza. Vejamos algumas dessas acções da informação: previsões da OMS de que provavelmente 1,4 mil milhões de pessoas ficarão abaixo do limiar de pobreza em 2009; um aviso do director-geral da OMS de que se perfila no horizonte o maior declive comercial mundial da história do pós-guerra; uma declaração de Dominique Strauss-Kohn do MFI ( protégé de Sarkozy) de que está iminente um colapso económico mundial se não for implementada uma reforma a grande escala do sector financeiro da economia mundial, colapso esse que muito provavelmente arrastará consigo não apenas o desassossego social mas também uma guerra.
Foi com este pano de fundo que foi avançada a ideia de instituir uma divisa mundial comum como pedra fundamental da 'nova ordem mundial'. Mas os verdadeiros cérebros deste projecto de longa data continuam na sombra. De notar que há um ou outro representante da Rússia empurrado para a linha da frente. Faz lembrar a situação antes da I Guerra Mundial, em que os círculos anglo-franceses, que possuíam alguns planos elaborados para uma nova divisão do mundo, instruíram o ministro dos estrangeiros russo para traçar um programa geral para a Entente Cordiale. Esta passou à história como o 'programa Sazonov', apesar de a Rússia não ter desempenhado um papel independente nessa guerra, o qual desde o início foi montado para servir o sistema de interesses da elite financeira britânica.
A 19 de Março, Henry Kissinger chegou a Moscovo na qualidade de membro do The Wise Men (James Baker, George Schultz, e outros), que se reuniram com os dirigentes russos antes da cimeira do G20. Dmitry Trenin, director do Centro Carnegie de Moscovo e participante na última reunião americana dos Bilderbergers, considerou essa reunião como um 'sinal positivo'. A 25 de Março, o Moskovsky Komsomolets publicou um artigo 'A Crise e os Problemas Mundiais', de Gavriil Popov (actual presidente da União Internacional de Economistas) que relatou abertamente o que normalmente é discutido à porta fechada.
O artigo fazia referência ao Parlamento Mundial, ao Governo Mundial, às Forças Armadas Mundiais, à Força Policial Mundial, ao Banco Mundial, à necessidade de colocar sob controlo internacional as armas nucleares, às capacidades de produção de energia nuclear, de toda a tecnologia de foguetões espaciais, e dos minerais do planeta, à imposição de limites de natalidade, à limpeza do conjunto genético da humanidade, ao encorajamento de pessoas intolerantes à incompatibilidade cultural e religiosa, e a outras coisas do mesmo género.
Os "países que não aceitarem as perspectivas globais", diz Popov, "devem ser expulsos da comunidade mundial".
Claro que o artigo do Moskovsky Komsomolets não revela nada de novo que nos permita compreender a estratégia da elite global. O importante é outra coisa. Sugere-se a instituição de uma ordem policial totalitária e a eliminação dos estados nacionais, como um amplo programa de acção, e recomenda-se aquilo que tanto os liberais, como os socialistas, como os conservadores, sempre consideraram um 'novo fascismo', como o único caminho salutar possível para toda a humanidade. Há quem queira que a discussão destes projectos se torne uma norma. Neste contexto, há alguns representantes da Rússia 'de confiança' que estão a ser empurrados para a primeira linha; a Rússia que será a principal vítima da política de pilhagem total se o 'governo global' vier a ser uma realidade.
O G20 não discutiu a questão da divisa mundial comum, porque ainda não chegou a altura própria para tal. A própria cimeira foi um passo em frente no caminho para o caos porque, se as suas decisões forem seguidas cegamente, a situação socioeconómica mundial só poderá piorar e, para citar Lyndon LaRouche, irão 'liquidar o doente'.
Entretanto, a crise está a ser exacerbada e os analistas andam a predizer uma era de desemprego maciço. As previsões mais pessimistas vêm do LEAP/Europe 2020, que as publica regularmente nos seus boletins e enviou-as mesmo numa carta aberta aos dirigentes dos Vinte antes da cimeira de Londres.
Já em Fevereiro de 2006, o LEAP [Laboratório Europeu de Antecipação Política] foi de uma precisão surpreendente a descrever as perspectivas para a 'crise global sistémica' como consequência da doença financeira provocada pela dívida dos EUA. Os analistas do LEAP consideram os acontecimentos actuais no contexto da crise geral que começou nos finais dos anos 70 e está agora na sua quarta fase, a fase final e a mais grave, a chamada 'fase de purificação' em que começa o colapso da economia real. Segundo Frank Biancheri, do LEAP, não é apenas uma recessão mas o fim do sistema, em que o seu pilar principal, economia dos EUA, entrou em colapso. "Estamos a assistir ao fim de toda uma época mesmo em frente dos nossos olhos".
A crise pode conduzir a algumas consequências muito difíceis. O LEAP prevê uma subida do desemprego para 15 a 20% na Europa e 30% nos Estados Unidos. Se não se conseguir solucionar o problema do dólar, os acontecimentos mundiais darão uma reviravolta dramática. O colapso do dólar pode ocorrer já em Julho de 2009 e a crise, que poderá durar décadas, desencadeará "uma desintegração geopolítica à escala mundial" com motins sociais e conflitos civis, com a divisão do mundo em blocos separados, em que o mundo regressará à Europa de 1914, com confrontos militares, etc. Os tumultos populares mais poderosos ocorrerão em países com sistemas de segurança social menos desenvolvidos e com maiores concentrações de armas, principalmente na América Latina e nos Estados Unidos, em que a violência social já se manifesta actualmente nas actividades de grupos armados. Os especialistas assinalam o começo da fuga para a Europa da população dos EUA, onde por enquanto a ameaça directa contra a vida não é tão grande. Para além dos conflitos armados, os analistas do LEAP prevêem escassez de energia, de alimentos e de água em áreas dependentes da importação de alimentos.
Os especialistas do LEAP descrevem o comportamento das elites ocidentais como totalmente desajustado: "Os nossos dirigentes não conseguem entender o que aconteceu, e continuam a mostrar a mesma incompreensão até hoje. Estamos no meio duma recessão prolongada, e seria necessário o empenho na introdução de algumas medidas a longo prazo para amortecer os golpes, mas os nossos dirigentes continuam na esperança de impedir uma recessão prolongada… Todos eles foram formados em torno do pilar americano e não conseguem perceber que o pilar está em ruínas…"
Mas se os dirigentes a nível médio não vêem isso, os gestores mundiais de nível superior, pelo contrário, estão muito bem informados; são eles quem está a implementar o 'caos controlado' e a política de desintegração geral, incluindo uma guerra civil e a desintegração dos Estados Unidos planeada para o final de 2009, um cenário que está a ser discutido amplamente pelos meios de comunicação americanos e mundiais.
À beira dos conflitos planeados em diversas áreas do planeta, está a ser instituído um sistema que conferirá a um centro supranacional, com base numa máquina punitiva, o total controlo político, militar, legal e electrónico sobre a população. Esse sistema utiliza o princípio de gestão de rede de comunicações que permite encaixar em qualquer sociedade estruturas paralelas de autoridade que reportam a centros de tomadas de decisões externos e são legalizados através da doutrina de prevalência da lei internacional sobre a lei nacional. A casca mantém-se nacional, mas o poder real passa a ser transnacional. Jacques Attali chama a isto um 'estado global baseado na lei'.
O centro dirigente do estado global baseado na lei situa-se nos EUA. Embora os seus fundamentos tenham começado a surgir nos anos 90, a luta contra o terrorismo após os incidentes do 11/Set levaram a fenómenos radicalmente novos. A aprovação da Lei Patriota de 2001 não só permitiu que os serviços de segurança controlassem a população americana e os estrangeiros suspeitos, como acelerou a passagem de responsabilidades estatais para as mãos de estruturas empresariais transnacionais.
As actividades de informações, do comércio da guerra, do sistema penitenciário, e do controlo de informações estão a passar para a mão de privados. Isto é feito através da chamada contratação no exterior, um fenómeno relativamente novo, que consiste em confiar determinadas funções a empresas privadas que agem como empreiteiros e atribuir a indivíduos exteriores a uma organização a realização das suas tarefas internas.
Em 2007, o governo americano chegou à conclusão de que 70% do seu orçamento de serviços de informações secretas é gasto em contratos privados e que a "burocracia de informações da Guerra-Fria está transformada numa coisa totalmente nova, em que dominam os interesses dos empreiteiros". Para a sociedade americana (incluindo o Congresso), as suas actividades mantêm-se confidenciais, o que lhes permite recolher cada vez mais funções importantes nas suas mãos.
Antigos funcionários da CIA dizem que quase 60% do seu pessoal estão sob contrato. Essas pessoas analisam a maior parte das informações, escrevem relatórios para os que tomam as decisões em jurisdições estatais, mantêm comunicações entre diversos serviços de segurança, dão apoio a posições estrangeiras, e analisam a intercepção de dados. Em consequência disso, a National Security Agency da América está a ficar cada vez mais dependente de companhias privadas que têm acesso a informações confidenciais. Não admira, pois, que se esteja a criar pressão para uma proposta de lei no Congresso que prevê a garantia de imunidade a empresas que têm trabalhado com a NSA nos últimos cinco anos.
O mesmo está a acontecer com empresas militares privadas (PMCS), que têm vindo a assumir cada vez mais funções do exército e da polícia. Numa escala significativa, começou nos anos 90 na ex-Jugoslávia, mas foram utilizados trabalhadores contratados a nível alargado no Afeganistão e noutras zonas de conflito. Executavam as acções 'mais sujas', como aconteceu com o caso durante a guerra na Ossétia do Sul, onde estiveram envolvidos mais de 3 000 mercenários. Neste momento, os PMCS são verdadeiros exércitos, cada um deles com mais de 70 mil efectivos, que operam em cerca de 60 países, com receitas anuais de mais de 180 mil milhões de dólares (segundo o Brookings Institution, EUA). Por exemplo, mais de 20 mil empregados de PMCS americanos trabalham no Iraque ao lado do contingente militar americano de 160 mil.
O sistema de prisões privadas também está a aumentar rapidamente nos EUA. Está florescente o complexo da indústria prisional, que utiliza trabalho escravo e práticas de trabalhos forçados, e os seus investidores estão sediados na Wall Street. O uso de trabalho forçado por empresas privadas foi legalizado já em 37 estados e é utilizado por importantes empresas como a IBM, a Boeing, a Motorola, a Microsoft, a Texas Instruments, a Intel, a Pierre Cardin e outras. Em 2008, o número de internados em prisões privadas nos EU era de cerca de 100 mil e este número está a crescer rapidamente, juntamente com o número total de internados no país (na sua maioria afro-americanos e latino-americanos), que é de 2,2 milhões de pessoas, ou seja, 25% de todos os presos do mundo.
Logo que Bush assumiu o poder, começou a privatização do sistema para transporte e retenção de migrantes em campos de concentração. Em especial, foi o que fez um ramo da conhecida empresa Halliburton, Kellog Brown and Root (antigamente chefiada por Dick Cheney).
As maiores conquistas foram feitas nos últimos anos na área da instituição do controlo electrónico sobre a identidade das pessoas, realizado sob o pretexto do contra-terrorismo. Actualmente, o FBI está a criar a maior base de dados do mundo de indicadores biométricos (impressões digitais, exames da retina, formas do rosto, formas e distribuição de cicatrizes, padrões de fala e de gestos, etc.) que contém neste momento 55 milhões de impressões digitais. A última novidade inclui a introdução de um sistema de varredura corporal nos aeroportos americanos, análise da literatura lida pelos passageiros dos voos e por aí fora. Uma outra oportunidade de reunir informações detalhadas sobre as vidas privadas das pessoas surgiu na sequência da Directiva N59 da NSA, aprovada no verão de 2008, 'Identificação e rastreio biométrico com o objectivo de reforçar a segurança nacional', e da confidencial 'Lei da Resposta Pronta ao Terrorismo Nacional'.
Numa avaliação da política das autoridades americanas, o ex-congressista e candidato presidencial em 2008, Ron Paul, disse que a América está a transformar-se gradualmente num estado fascista, "Estamos a aproximar-nos de um fascismo, não do tipo Hitler, mas de um tipo mais suave, que se revela na perda de liberdades civis, em que as grandes empresas dirigem tudo e… o governo está metido na cama com os grandes negócios". Será preciso lembrar que Ron Paul é um dos poucos políticos americanos que defende o encerramento do Sistema de Reserva Federal como uma organização secreta inconstitucional?
Com a chegada de Obama ao poder, a ordem policial na América está a ficar cada vez mais afunilada em duas direcções – reforço da segurança nacional e militarização de instituições civis. É impressionante como, depois de ter condenado as transgressões às liberdades individuais feitas pela administração Bush, Obama passou a controlar todo o pessoal da sua própria equipa obrigando-o a preencher um questionário com 63 perguntas que percorrem os pormenores mais complexos das suas vidas privadas. Em Janeiro, o presidente dos EUA aprovou leis que possibilitam a continuação da prática ilegal de sequestrar pessoas, mantê-las secretamente em prisões, e enviá-las para países em que se utiliza a tortura. Também propôs uma lei chamada Lei da Instituição do Centro de Apoio à Emergência Nacional, que estipula a instituição de seis desses centros em bases militares americanas para proporcionar apoio a pessoas que sejam deslocadas por causa de uma situação de emergência ou de uma catástrofe e que ficam assim sob jurisdição militar Analistas relacionam esta lei com possíveis perturbações e consideram-na uma prova de que a administração americana se está a preparar para um conflito militar que pode ocorrer após a provocação que está a ser planeada.
O sistema americano de controlo policial está a ser implementado activamente noutros países, principalmente na Europa – através da instituição da hegemonia da lei americana no seu território por intermédio da assinatura de diversos acordos. Nisto tiveram uma grande importância as conversações na sombra entre os EUA e a UE sobre a criação da 'área comum de controlo sobre a população' que se realizaram na primavera de 2008, quando o Parlamento Europeu adoptou uma resolução que ratificou a criação do mercado transatlântico único, abolindo todas as barreiras ao comércio e aos investimentos até 2015. As conversações deram origem ao relatório confidencial preparado pelos especialistas de seis países participantes. Este relatório descrevia o projecto para a criação da 'área de cooperação' nas esferas 'da liberdade, da segurança, e da justiça'.
O relatório alarga-se sobre a reorganização do sistema de justiça e assuntos internos dos estados membros da UE de modo tal que fica a parecer-se com o sistema americano. Diz respeito não apenas à capacidade de transferir dados pessoais e cooperação de serviços policiais (que já está a ser posto em prática), mas também, por exemplo, à extradição de imigrantes da UE para as autoridades americanas de acordo com o novo mandato que anula todas as garantias que os procedimentos de extradição europeus prevêem. Nos EUA está em vigor a Lei das Delegações Militares de 2006, que permite a perseguição ou detenção de qualquer pessoa que seja identificada como 'inimigo combatente ilegal' pelas autoridades executivas e se estende aos imigrantes de qualquer país que não esteja em guerra com os EUA. São perseguidos como 'inimigos', não com base em quaisquer provas, mas porque assim são rotulados pelas organizações governamentais. Nenhum governo estrangeiro protestou contra esta lei que é de importância internacional.
Em breve será assinado o acordo sobre comunicação de dados pessoais, segundo o qual as autoridades americanas poderão obter informações pessoais como números de cartões de crédito, pormenores das contas bancárias, investimentos, rotas de viagem ou comunicações via Internet, assim como informações sobre a raça, as crenças políticas e religiosas, os hábitos, etc. Foi por pressão dos EUA que os países da UE introduziram os passaportes biométricos. A nova regulamentação da UE implica a mudança geral dos cidadãos da UE para passaportes electrónicos a partir do final de Junho de 2009 e até 2012. Os novos passaportes passarão a conter um chip com informações para além do passaporte e uma foto, e ainda as impressões digitais.
Estamos a assistir à criação do campo de concentração electrónico global, e a crise, os conflitos e as guerras estão a ser utilizadas como justificação. Como escreveu Douglas Reed, "as pessoas têm tendência para tremer perante um perigo imaginário e são demasiado preguiçosas para ver o perigo real".

quarta-feira, 20 de maio de 2009


Eurojust chief embroiled in Portuguese corruption scandal
EUOBSERVER/BRUSSELS – The EU's judicial co-operation body, Eurojust, on Wednesday tried to distance itself from a scandal involving its head, Jose da Mota, who allegedly put pressure on prosecutors in order to stop a corruption probe involving Portuguese Prime Minister Jose Socrates.
"For the time being, Eurojust does not want to comment on this case. It is a national case in Portugal and Eurojust is not involved in this case," Johannes Thuy, a spokesman for the Hague-based EU body told this website.
The allegations against Jose da Mota puts Eurojust in a bad light (Photo: European Commission)
Portugal's general prosecutor on Tuesday launched a disciplinary procedure against Mr Mota following an internal investigation "of alleged pressures" on magistrates.
The accusations were made in connection with a case pointing at Mr Socrates at a time when he was minister of enviroment and allowed the construction of an outlet shopping mall on protected land allegedly in exchange for kickbacks.
Two magistrates dealing with the so-called Freeport affair last month accused Mr Mota of having tried to persuade them to side-line the investigation at the request of the premier and the minister of justice.
The premier and Mr Mota's relationship goes back to the late nineties, when they worked in the same government as state secretaries for environment and justice respectively. In 2002, when the new EU body was formed, Mr Mota was transferred to Hague as Portugal's representative to Eurojust.
He was elected head of the judicial co-operation body in 2007, at a time when the so-called Freeport case had already started.
As head of Eurojust, Mr Mota not only represents the EU body in public events, but also chairs the internal meetings, such as the one last year when Portuguese prosecutors asked their British counterparts to hand them over the evidence collected in the Freeport case.
If formally indicted after the disciplinary procedure which might last around 10 days, Mr Mota would most probably be replaced by someone else as Portugal's representative to Eurojust.
"These allegations are incredibly serious and, if proved, call into question the political independence and credibility of Eurojust," Stephen Booth from Open Europe, a London-based eurosceptic think-tank told this website.

Socrates to survive in elections
The Socialist Prime Minister, who currently holds an absolute majority in the Parliament, is set to be re-elected in September, despite some losses in the opinion polls due to the Freeport affair, pundits say.
"Mr Socrates is starting to fall in the polls and he will not manage an absolute majority like in 2005, but he will still win," Tiago Luz Pedro, political editor at Publico, one of Portugal's main newspapers, told EUObserver.
British fraud investigators pointed at Prime Minister due to unexplained missing sums in the company's books, related to the period Freeport was bidding for a construction licence in Portugal in 2002, when Mr Socrates was minister of enviroment.
The Socialist politician has constantly denied these accusations and claimed the scandal was politically motivated.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Causas e consequências

Uma triste farsa


Por: Constança Cunha e Sá, Jornalista

Não há nada como uns borrifos de água e meia dúzia de insultos despropositados para fazer de cada um de nós um democrata de gema, incapaz de conviver com a intolerância alheia e o sectarismo que tão bem caracteriza os ímpetos da populaça.
Como parece óbvio, se o dr. Vital Moreira, num acesso de boa vontade, decide passar parte do seu dia em franco e ameno convívio com os manifestantes do 1º de Maio, seria de esperar que estes o saudassem alegremente, com vivas ao Governo e palmas às suas políticas. Infelizmente, os manifestantes não tiveram essa presença de espírito: em vez de o colocarem num andor, levado em glória por sindicalistas agradecidos, deixaram-no à mercê de um pequeno grupo de energúmenos que, sem compreender a grandeza do seu gesto, o apelidou de "traidor" e de outros epítetos de igual gabarito.
Em menos de nada, o dr. Vital Moreira subiu à categoria de vítima (uma categoria particularmente cobiçada por qualquer socialista que se preze), enquanto os seus agressores desciam a níveis inqualificáveis. Até o nosso Nobel, um velho e reconhecido combatente da liberdade, defendeu, com grande espírito de tolerância, a expulsão imediata dos eventuais militantes do PCP que terão estado na origem do desacato – embora reconheça humildemente que não sabe a proveniência partidária dos elementos que, desde já, quer expulsar. Um pormenor que, como se vê, não afecta as grandes consciências que nos caem em sorte.
O PS, por sua vez, tenta compreensivelmente encontrar uma Marinha Grande que o salve do desastre desta campanha: enquanto o seu candidato garante que foi agredido por militantes comunistas – "está-lhes na massa do sangue", como o próprio deve saber, depois de anos de feliz convivência – o dr. Vitalino Canas exige um pedido de desculpas formal por parte do PCP pelo "caldo de cultura" que criou na sociedade portuguesa. A exigência, infelizmente, não teve a resposta adequada e, neste momento, é já o próprio PCP que exige um pedido de desculpas ao PS pelo facto de este lhe ter exigido um pedido de desculpas – e assim se vai transformando um drama sem sentido numa triste farsa do regime.
Há, no entanto, formas mais eficazes de o PS alcançar este seu louvável objectivo. A bem de uma nova Marinha Grande e dos seus hipotéticos benefícios eleitorais, o partido pode sempre enviar o primeiro-ministro para as manifestações que se organizam contra as "políticas de direita" do seu magnífico Governo. Esta iniciativa, sim, teria um sucesso mais do que garantido: tabefes em barda, insultos aos molhos e o precioso ámen desse grande democrata que é José Saramago.


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