terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AS RAZÕES DA CRISE E O

MAIS QUE ADIANTE SE LERÁ.....

“O MILITANTE” publicou um artigo de Carlos Carvalhas sobre a situação económica mundial, que reproduzimos na íntegra no “OLHAR À ESQUERDA - Desenvolvimentos”, a que poderá ter acesso no fim deste texto.
São impressionantes as afirmações deste economista.
Não só pela lucidez da sua análise, simplicidade da exposição e forma clara como nos faz perceber a gravidade da situação.
A clareza meridiana como coloca a problemática da crise mundial, as actuais relações de produção, a natureza do deficit americano e a posição da banca perante a crise mundial, são uma lição de inteligente perspicácia e chegam a tornar doloroso, como é possível aceitar que assim se continue.
É um artigo fundamental, para compreender os mecanismos desta crise que avassala o mundo e em que medida ela é da inteira e exclusiva responsabilidade dos Estados Unidos.
O capitalismo utiliza o Sistema, para manter o domínio económico e financeiro, baseado no artifício de manter o dólar, como moeda de referência Mundial.
Qualquer cidadão consciente, que entenda as bases em que o capitalismo faz funcionar o Sistema, percebe que está a entregar o resultado do seu esforço laboral, através de um código elaborado pelo capitalismo, representado pelo “dinheiro”, cuja única justificação, é representar a vantagem, de não ter de ir ao mercado comprar a comida da família e ter de levar uma ovelha, um porco ou uma vaca, para compensar o que comprou.
Vejamos muito resumidamente a última etapa da manobra capitalista para dominar o sistema de trocas.
Essa ultima fase que estou a referir, pode-se considerar que começa em 1944, a partir do Tratado de Bretton Woods, onde foram estabelecidos os parâmetros em que se iriam processar as relações comerciais internacionais.
Os Estados Unidos como potência dominante na época, acordou com os 44 países mais industrializados, estabelecer o dólar com a referência mundial, para poder tornar viável, a equiparação entre as várias moedas nacionais.
Em troca acordaram, que por cada 35 dólares que fosse apresentado á Reserva Federal americana, os Estados Unidos entregariam ouro equivalente a uma onça Troy.
Acontece que em 1971, Richard Nixon mandou às ortigas esse acordo, deixando de fazer a correspondência entre o dólar e o ouro, como fora acordado em Bretton Woods e passou a imprimir as notas sem a respectiva caução em ouro, que garantia a paridade efectiva do dólar.
Está visto que a partir daí, era só imprimir os dólares necessários para pagar os deficits da balança de pagamentos americana, que hoje é incontrolável e está na génese da crise mundial, que todos somos chamados a pagar.
Para se fazer uma ideia da evolução da situação, basta ver o valor das cotações do ouro nestes últimos anos.
1944-35 Dólares por uma onça (Acordo de Bretton Woods)
2009-1217 Dólares por uma onça

Se a isto juntarmos o facto de já andar em circulação, cinco vezes mais dólares do que o total da produção mundial , então começamos a entender a que ponto vi a exploração capitalista.
A manutenção da hegemonia mundial do dólar é uma fatalidade tão evidente, que a China, Rússia, Brasil, India etc., estão a diversificar o pagamento das matérias-primas e produtos exportados, não só em moedas e outros valores que não o dólar e a comprar quantidades imensas de ouro, para consolidar as suas reservas financeiras.
No que diz respeito a Portugal em particular, o problema é de outra natureza e ainda mais grave, porque assenta no facto de ter sido destruído o nosso aparelho produtivo, tornando o nosso país, absolutamente dependentes das importações. Não tendo um modo de produção que compense, o nosso deficit aumenta diariamente de uma forma astronómica.
Não há remédio para o deficit, enquanto não aumentarmos a “nossa”capacidade produtiva.
Fala-se muito em investimento estrangeiro, para aumentar os postos de trabalho, mas é preciso ter em atenção, que quando estamos a resolver o problema do desemprego, com esse investimento, não podemos esquecer que as mais-valias vão directamente para os bolsos desses capitalistas, tal como já hoje acontece, em que se dá a saída de milhares de milhões de euros em lucros, dividendos, royalties, para compensar o capital estrangeiro investido.
De tudo isto nos fala Carlos Carvalhas de uma forma extremamente pedagógica.
Vejamos então na íntegra esse importantíssimo artigo, desse extraordinário economista.

CLIQUE AQUI
ARTIGO DE CARLOS CARVALHAS

A EVOLUÇÃO DA CRISE

Artigo publicado noMilitante, n.º 303 – Nov/Dez 2009
Dezembro 8, 2009

Com o aprofundamento da crise, com as falências, os encerramentos de empresas e o desemprego, ganhou relevo nas linhas da ideologia dominante a ideia de que a crise não é do sistema e que foi devido aos «excessos» e à ambição desmedida de alguns que ultrapassaram todas as «regras» – caso Madoff e a prisão de alguns banqueiros deu muito jeito à difusão de tais teorias. Apresentou-se a liquidação de direitos e regalias e a redução dos salários como a chave da recuperação. Continuou a apresentar-se o capitalismo como o melhor dos sistemas, e sem alternativa. Ao mesmo tempo, fomos ouvindo periodicamente que o pior já tinha passado, que já se estava no ponto de viragem, que já se via a luz ao fundo do túnel.As declarações optimistas visando criar expectativas e relançar os casinos bolsistas foram também necessariamente temperadas pelos indicadores negativos e por periódicas quedas das cotações, com declarações de que «ainda é necessário ser prudente sobre a recuperação» (1) . No entanto, os Estados e os Bancos Centrais continuaram a injectar dinheiro no sistema financeiro, enquanto os grandes bancos voltavam a apresentar avultados lucros e a distribuir escandalosos dividendos.
As injecções de fundos públicos na Banca, bem como as nacionalizações desta ou daquela instituição, foram sempre apresentadas como uma necessidade da economia, uma inevitabilidade pois argumentam: se a Banca se afundasse, afundava-se a economia. E a nacionalização de bancos foi sempre apresentada como uma medida conjuntural para a recuperação dos mesmos, prometendo-se a imediata privatização logo após a recuperação com dinheiro público: a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros.
Como é evidente a questão não está na necessidade de um sistema financeiro para fazer funcionar a economia. A questão que se coloca é de saber se ele está a assegurar normalmente a função elementar do crédito e se a intervenção é para salvar a Banca, para a colocar ao serviço da economia, da colectividade, das pequenas e médias empresas ou para salvar os banqueiros e os grandes accionistas à custa dos contribuintes, à custa dos trabalhadores, do povo e do país!
Mesmo com todas as ajudas, o montante do chamado lixo tóxico é tal que muitos são os bancos, um pouco por todo o mundo, que continuam a pedir novas ajudas.
Nos EUA o encerramento na Flórida do Bank United FSB (12,8 milhares de milhão de dólares activos) foi a mais significativa falência bancária deste ano, a par de dezenas de pequenos bancos. Na Holanda, o ABN Amaro, nacionalizado em Outubro de 2008, pediu uma nova ajuda ao governo. Por sua vez a Comissão Europeia deu o seu acordo às injecções de fundos públicos na Dinamarca para salvar o Fiona Bank. O economista Roubini, num colóquio organizado pelo New York Review Book (21.05.09), alertava que a socialização dos prejuízos põe os Estados em perigo. Os créditos duvidosos garantidos pela colectividade e os planos de relançamento pesarão fortemente sobre os Orçamentos.
E, apesar de todas as pressões, a Banca em geral não só tem aumentado os spreads como tem dificultado o acesso ao crédito. O Secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, declarou em Lisboa, em 22.05.09, que os problemas tinham começado nos bancos e que estes continuavam a não emprestar normalmente (2) . E esta é uma questão nodal: a Banca está ao serviço da acumulação dos seus detentores e não ao serviço da economia e só por acaso e pontualmente os dois interesses podem coincidir.
Acresce que os bancos criam moeda e crédito, bem público, devendo portanto estar ao serviço da colectividade e não de interesses egoístas de grupo. A posição das forças políticas face à Banca Comercial, face às empresas básicas e estratégicas, separa claramente as forças do sistema gestoras do capitalismo, mesmo que ditas reformistas e de esquerda, das forças revolucionárias e efectivamente da esquerda, sem adjectivos para disfarçar. E não é com reguladores pseudo independentes que se coloca estas empresas ao serviço dos povos e dos países. Os exemplos são constantes e esclarecedores.
Acresce que, o caso da Banca, o acesso à actividade é limitado. É um privilégio concedido pelos Estados, pelos Bancos Centrais, pelo que a nacionalização é simplesmente retirar-lhes esse privilégio. Privilégio que, como o evidenciam os escândalos conhecidos do BCP, BPP, BPN (e alguém acredita que nos outros tudo se passa de maneira diferente?), tem sido usado para a acumulação de meia dúzia de famílias.
É de lembrar que, por exemplo, a administração do BCP entre 1999 e 2006 só de prémios recebeu 291 milhões, dos quais 24,3 milhões foram pagos indevidamente (Correio da Manhã, 26.06,09). E o BPN deu 15 milhões de euros a gestores em pagamentos clandestinos (Diário Económico, 25.09.09)
As vozes sobre a crise
A social-democracia em geral aproveitou a crise para, em discurso, criticar o neoliberalismo, embora na prática o continue a executar e, na sua postura neokeynesiana, continua a não pôr em causa o sistema, mas a posicionar-se como a melhor gestora do capitalismo. No plano ideológico, voltaram de novo as teses de Morishima, de Sraffa, e tuti quanti, procurando desvirtuar o pensamento de Marx e encobrir a exploração da mão-de-obra assalariada.
Com a evolução da crise tivemos também algumas, embora poucas, vozes da Igreja, que puseram o dedo na ferida do sistema e não se integraram na corrente das declarações desculpabilizadoras e moralistas de que a culpa foi dos excessos e da ambição desmedida de alguns. Mas a Igreja, enquanto instituição, esqueceu-se do «não roubarás» e da pintura de Canelleto – a Expulsão dos Vendilhões do Templo… O Papa publicou, em 7 de Julho, uma nova encíclica «Caritas in veritate» bem distante da encíclica «Rerum Novarum» do Papa Leão XIII, que fundou aquilo que se designa pela doutrina social da Igreja e em que se assinala que as relações entre patrões e empregados se tinham modificado, que a riqueza se concentrou nas mãos de um pequeno número e que um grande número ficou na indigência. Na época foi para a Igreja católica um avanço, com considerações justas sobre a condição operária, a defesa dos sindicatos, apesar dos equilibrismos – críticas do sistema capitalista atacando ao mesmo tempo a luta de classes e o socialismo. «Caritas in veritate» está muito longe desses avanços. O Papa é muito mais firme e claro na condenação do aborto, da eutanásia do que em criticar um sistema que condena milhões de seres humanos à miséria, à fome e à «escravatura». Como já foi assinalado, esta Encíclica, publicada em plena crise, não tem uma palavra sobre o capitalismo, ou o sistema financeiro e os paraísos fiscais. A palavra desemprego aparece duas ou três vezes no texto. No entanto já houve quem adiantasse a propositura de Bento XVI para prémio Nobel da economia e entre nós a encíclica também já foi caracterizada de «manual para o desassossego». Para o grande capital não o é seguramente (3) .
A questão estratégica
A hegemonia do dólar e os privilégios dos EUA no sistema monetário internacional continuam como questão central nesta crise.
A sustentabilidade da dívida dos EUA, os défices orçamentais dos exercícios de 2009 e 2010, colocam em questão a credibilidade do dólar e o que lhe vai acontecer será um factor chave para o futuro.
Há quem afirme que mesmo que os parceiros comerciais dos EUA quisessem os seus excedentes não são suficientes para financiar o défice orçamental que não pára de crescer para alimentar os planos de relançamento económico e as diversas guerras e intervenções militares.
Os principais detentores da dívida procuram desfazer-se dos dólares e dos Títulos de Tesouro, mas com dificuldades devido às amarras que têm àquela economia.
A Rússia já afirmou que hoje detém uma maior proporção de reservas em euros do que em dólares. Segundo um outro relatório, a China terá aumentado nos últimos anos as suas reservas de ouro em 75%.
O Primeiro-ministro da China expressou também as suas preocupações sobre o futuro do dólar e é sabido que a China, a par da compra de matérias-primas estratégicas, tem também comprado grandes empresas em diversos países ocidentais.
O Presidente da Reserva Federal, segundo o London Telegraph de 27 de Maio, foi questionado, na China, por várias vezes, sobre se a Reserva Federal ia financiar o défice orçamental imprimindo dólares (4) .
A significativa reunião de 15 e 16 de Junho na Rússia entre os presidentes chinês, russo e os representantes de 6 países da Organização de Cooperação de Shangai (O.C.S.), a que se juntou o Brasil, não só debateu em que moedas se faria, no futuro, o comércio dos países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), como a necessidade de se encontrar uma alternativa ao dólar e a possibilidade de os EUA continuarem a aumentar indefinidamente os seus défices.
A China e outros países com comércio excedentário com os EUA têm sido praticamente obrigados a reciclar os seus dólares comprando Títulos do Tesouro, por falta de alternativas. E esta foi a questão central da reunião. A China e também a Rússia já fazem comércio internacional com vários países nas suas próprias moedas e a China continua a procurar comprar posições decisivas em empresas estratégicas, apesar das medidas de proibição (o Congresso americano impediu a empresa chinesa CNOOK de comprar a Unocal com o argumento da segurança nacional) e da pressão ideológica contra os fundos soberanos. Como nos recordava o economista Michael Hudson «os estrangeiros são convidados a imitar os japoneses que investiram em elefantes brancos, como o Rockefeller Center em que perderam um milhar de milhão de dólares)». Até agora foi a poupança mundial, e não a americana, que financiou os défices orçamentais americanos, as suas guerras e as suas compras de empresas no estrangeiro. Como vai ser no futuro? OS EUA vão continuar a pôr a rotativa a produzir dólares para pagar a sua dívida e a sua dominação? E os Bancos Centrais, designadamente dos países com excedentes comerciais com os EUA, vão continuar a acumular dólares e Títulos do Tesouro? E os EUA não vão utilizar a sua força militar? E qual o futuro do dólar e da Zona euro, com os efeitos da valorização desta moeda, em países como a Grécia, Portugal, Espanha…?
As previsões
Num artigo no New York Times «A alegria da Goldman Sachs» (24.07.09), Paul Krugman, (prémio Nobel da economia), dizia: «a economia dos EUA continua em maus lençóis, com um em cada seis trabalhadores desempregados ou sub-empregados e contudo a Goldman Sachs acaba de anunciar um recorde de lucros e prepara-se para distribuir prémios enormes». Mas estes lucros, dizia Krugman, tal como no passado não foram obtidos a encaminhar o capital para a utilização mais produtiva possível. «Pelo contrário, foram obtidos na especulação: dirigiram vastos montantes de capital para a construção de casas invendáveis e de centros comerciais vazios, com efeito o sector estava a vender “banha da cobra a consumidores crédulos”». E a Goldman não acreditava sequer na sua própria propaganda. E concluía: os lucros da Goldman constituem uma boa notícia para a Goldman e para quem lá trabalha, bem como para a generalidade das super estrelas da finança cujos ordenados estão rapidamente a subir, mas são más para as outras pessoas, a maioria.
O que nos diz Krugman resume bem o que se está a passar. Com os fundos públicos e as garantias do Estado à Banca voltou-se ao «business as usual» e ainda com mais hipocrisia… É por isso que alguns afirmam, não sem razão, que a «queda livre» foi travada, mas novas e importantes derrapagens no sistema financeiro não são de excluir. Em Portugal várias são as vozes, a começar pelos membros do Governo, a afirmar que o sistema financeiro português está seguro, com saúde e que se recomenda!
Não será tanto assim. Por alguma razão o Banco de Portugal permitiu a «dispersão do lixo tóxico» ao longo de vários anos (para além da admissão da compra de 2 mil milhões de euros de obrigações à Banca), e já afirmou publicamente (Diário Económico, 18.06.09) que quer fusões na Banca! Aliás basta olhar para a evolução alarmante do crédito mal parado para se ficar com uma ideia da solidez da Banca nacional. Também a afirmação de que Portugal já saiu tecnicamente da recessão, procurando com isso afirmar-se que a economia portuguesa já não está em crise, não passa de uma mistificação. Infelizmente Portugal está em divergência com a UE há praticamente dez anos e será quem terá mais dificuldades em recuperar. Acresce que a dívida externa é um garrote para o presente e para o futuro em relação a um programa de relançamento económico. Alguns subestimam-na (Luís Campos e Cunha, Público, 24.07.09) porque se esquecem que de uma forma crescente saem do país milhares de milhões de euros em lucros e rendimentos de capitais do investimento estrangeiro (5) . E como a dominação estrangeira se tem agravado a questão do endividamento externo não depende só da poupança nacional para pagar os juros, mas do grau da nossa dependência.
A nível mundial ainda há muito lixo tóxico, com os Bancos Centrais a financiarem não só os Bancos, mas os próprios Estados e a comprarem massivamente obrigações públicas criando moeda – Inglaterra, Japão – e enquanto a procura global (poder aquisitivo das massas e compras públicas) e o investimento não aumentarem, a crise, com mais ou menos agudeza, vai persistir. Os governantes, depois de terem anunciado tantas retomas, lá vão acrescentando que o crescimento voltará em 2010, mas que será tímido e será puxado no essencial pelos serviços financeiros de uma parte e pela despesa pública por outro (6) .
Ao mesmo tempo estes «gurus» acabam por aceitar que os riscos de inflação e da deflação são simultâneos e que continuam a subsistir, e depois de terem inventado, no passado, a «stagflation» estagnação com inflação, falam agora em slumflation [contracção do inglês slum (crise) e inflação]. Infelizmente o que se pode dizer é que o desemprego vai continuar a aumentar, bem como as dívidas públicas, que pesarão no futuro sobre os impostos de quem trabalha e nos cortes na segurança social e serviços públicos. A OCDE (Jornal de Negócios, 24.07.09) recomendava, cinicamente, que as pensões de reforma deviam subir em 2010 e baixar depois da crise. Afinal a procura, o poder de compra sempre é um factor essencial da crise…
Será também ilusório pensar que os EUA ou a China poderão ser locomotivas para o relance da economia mundial.
A evolução das exportações, do investimento e das actividades produtivas em geral e do comércio externo não permitem grandes optimismos sobre a retoma breve, como alguns o afirmam. Resta o casino da bolsa para dar uma aparência de superação da crise, mas esta não acrescenta valor, apenas o transfere.
Jean Vittori, editorialista dos «Les Echos», escrevia neste jornal, 21.09.09: «Hoje é Magritte que nos dá a chave da economia mundial, não pela sua obra surrealista, mas com o seu quadro representando um cachimbo, comentado com uma frase em baixo, “isto não é um cachimbo”. Esta frase podia legendar qualquer gráfico recente, seja da Bolsa, do moral dos industriais, ou da venda de automóveis. “Isto não é uma retoma”, e isto porque a curva não é mais do que uma imagem da realidade.»
A quadratura do círculo ou as próximas crises
Desenha-se já o quadro de uma futura crise que não deixará de ser menos devastadora. Temos já os ventos da desregulação a soprarem, designadamente no sistema bancário.
Mas a questão mais de fundo é a chamada globalização e do que lhe está associado, as deslocalizações e a livre circulação de capitais. Para muitos países a questão está em saber como aumentar o consumo das massas (não querendo aumentar os salários reais), reduzir os défices e as dívidas externas, combater as desigualdades e lançar um crescimento não especulativo, mais são e ligado às actividades produtivas.
A política de deslocalizações foi teorizada e levada à prática com mais ou menos intensidade por todos os países da OCDE.
Tendo em conta as enormes diferenças salariais e a liberdade de circulação de capitais, a lógica foi deslocalizar a produção, designadamente a industrial, para os países emergentes, com os países desenvolvidos a especializarem-se na produção de bens da mais alta complexidade tecnológica e dos serviços ligados às novas tecnologias, que naturalmente aguentavam salários elevados e protegidos da concorrência internacional! De uma forma simplificada podemos dizer que, durante a primeira fase, isto permitiu a chegada aos países mais desenvolvidos, e em primeiro lugar aos EUA (onde isto foi teorizado nos primeiros anos da administração Clinton), de produtos muito mais baratos, beneficiando os consumidores, sobretudo de menores recursos.
E as perdas de emprego na produção de média e baixa gama foram compensadas pelos serviços e pelo crescimento que, em geral, se verificou.
Só que aquilo que se teorizou não deslocalizável passou a sê-lo pela facilitação das novas tecnologias de informação que alteraram, na prática, o conceito de bem não deslocalizável, e pela avidez lucrativa do grande capital.
Com a passagem do tempo verificou-se que se deslocalizaram milhões de empregos mesmo nos serviços dos países da OCDE e dos EUA, o que levou à perda do poder de compra das massas e ao endividamento crescente, designadamente nos EUA. E este movimento tende a acelerar-se. A desindustrialização dos EUA e de muitos países da OCDE criou um problema novo que está ligado à crise que estamos a viver, à sua saída e às crises futuras. A razão porque as medidas anti-cíclicas já tomadas (baixa das taxas de juro, défices públicos, planos de relançamento financeiro) têm tido resultados muito modestos não está desligada da desindustrialização e da baixa do nível da procura global e do crescimento potencial.
A evolução dos salários reais tem sido negativa ou nula e, portanto, incapaz de alimentar um crescimento forte e sustentado a nível externo e a nível interno, com todos os países a procurarem saídas pelas exportações. Mas como a crise é global, só exportando para a Lua ou para Marte. Resta apenas a destruição das capacidades produtivas excedentárias (falências, encerramentos de empresas). Com as deslocalizações e o não aumento do poder de compra das massas tende a agudizar-se de novo a «sobre-produção em relação à procura solvável», a quadratura do círculo!
Mesmo a reindustrialização no sentido clássico destes países e dos EUA, ou mesmo com indústrias de maior complexidade tecnológica e valor acrescentado, como defendeu Barak Obama, é praticamente irrealizável mantendo-se a liberdade de circulação de capitais. O «modelo» de acumulação assente nas novas tecnologias, produções de alta gama e serviços qualificados e a deslocalização da indústria transformadora de baixa composição orgânica de capital (capital intensivo) para os países emergentes está ultrapassado e esgotado. O futuro do dólar, a dívida externa dos EUA e o seu financiamento, bem como a segurança das reservas chinesa em dólares, estão estritamente ligados e é uma mistura altamente inflamável. E as facturas do salvamento dos banqueiros e do grande capital através da emissão da dívida pública e dos défices orçamentais será cada vez mais pesada para os trabalhadores e os pequenos e médios empresários.
A posição das forças de esquerda em relação a esta crise deve pelo menos (e onde a correlação de forças não permitir mais) fazer avançar a consciência política e social sobre a necessidade estratégica das nacionalizações definitivas das empresas básicas e estratégicas, a começar pelo sistema financeiro, e a ruptura com as políticas neoliberais, se se quiser dar resposta ao desemprego, às crises, à concentração da riqueza e à estagnação e recessão económica.
Notas
(1) O Ministro das Finanças português, numa das suas frases alambicadas dizia (JN, 21.05.09): «podemos estar a aproximarmo-nos do ponto de inflexão entre o pior da crise e a recuperação». O vice-Presidente dos EUA, Joe Biden, depois das declarações optimistas de Obama, veio afirmar que se tinha enganado «que houve uma leitura errada quanto à severidade da crise» nas últimas semanas (Diário Económico, 7.07.09).
(2) No Correio da Manhã (30.06.09) podia-se ler: Bancos triplicam margem de lucro. Sobem o spreads nos novos empréstimos para compensar a descida das Taxas Euribor! Também J. C. Trichet, comentando a quebra do crédito concedido em França, em Julho de 2009, em relação ao período análogo fazia o seguinte apelo através das câmaras de televisão (cadeia de informação contínua ..CI) «nós fizemos esforços consideráveis para vos permitir aceder à liquidez nas melhores condições, os governos fizeram esforços consideráveis para vos não deixar cair, estejam à altura das vossas responsabilidades!». Embora não concretizada, a decisão do Governo português em nacionalizar a COSEC – Companhia de Seguros e Créditos às Exportações – depois das queixas dos exportadores é um exemplo claro da contradição entre os interesses privados e o interesse geral.
(3) Cartas ao Director. Bento XVI para Nobel da Economia (Público, 1/08/09). «A Igreja nem sempre é capaz de saber estar no mundo», D. Manuel Martins (Revista Tabu do SOL, 25.09.09).
(4) O declínio do dólar e o «crediteasing» voltaram de novo a ser objecto de críticas pela China (London Telegraph, 6.09.09). A «monetarização» da dívida pela FED deverá atingir até ao fim do ano 1125 milhares de milhão de dólares, o equivalente a 8% do PIB dos EUA (Calculated Risk, 19.09.09).
(5) Nos últimos anos a saída de capitais tem vindo a aumentar, atingindo no final de 2008 os 20 mil milhões de euros (Boletim Estatístico do Banco de Portugal, Agosto de 2009).
(6) É sabido que a Banca nos EUA revalorizou contabilisticamente os seus activos com um artifício (deixaram de ser pelo valor do mercado)! O último relatório do FED (11.09.09), assinalava uma forte degradação da situação dos mercados imobiliário, comercial e residencial, assim como a queda acentuada do crédito ao consumo. Segundo um estudo da Goldman Sachs (18.09), o volume do crédito mal parado a 90 dias (Non Perfoming Loans) aumentou na Europa 41% no primeiro semestre,140 milhares de milhão na Inglaterra,110 na Itália e 64 em França.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ACERCA DA IMPOSTURA GLOBAL

Alguns leitores têm indagado porque resistir.info tem dado tanta ênfase à denúncia desse mítico aquecimento global, o qual seria um problema aparentemente esotérico e afastado dos objectivos deste sítio web.
Alguns deles chegaram mesmo a dizer que tal denúncia afastar-se-ia da posição "de esquerda", pois publicações e personalidades progressistas (como a Monthly Review e Fidel Castro) têm endossado as preocupações aquecimentistas.
Por essa razão, convém dar alguns esclarecimentos, estabelecer alguns factos e fazer algumas precisões.
Comecemos pelos factos que consideramos estabelecidos:

1) O dióxido de carbono não é um gás tóxico e nem tão pouco poluente. As suas emissões são o resultado inevitável e necessário de toda e qualquer combustão. Trata-se além disso de um gás indispensável à vida na Terra pois ao respirar todos os seres vivos inspiram uma mistura de oxigénio e CO2, expirando este último.
2) Não está provado que as emissões de CO2 de origem antropogénica (isto é, produzidas pelo homem, o que exclui todas as demais emissões naturais desse gás) tenham qualquer efeito significativo para um aquecimento global. Muitos cientistas consideram absolutamente desprezível a contribuição humana para as emissões globais de CO2 que se verificam no planeta.
3) Os dados empíricos demonstram que desde 1998 não está a haver o tão famoso aquecimento global previsto pelos modelos informáticos utilizados pelo Intergovernamental Panel on Climate Change (IPCC) da ONU. Por isso, de forma oportunista, eles mudaram a expressão "aquecimento global" – que já não correspondia à verdade factual – para a expressão mais ambígua de "alterações climáticas" (que sempre existiram ao longo de toda a história do planeta Terra).
4) Os modelos informáticos são por si mesmo falíveis. A teoria da modelação diz-nos que os modelos para serem úteis devem ser relativamente simples, com um número de variáveis limitado. Tentar aplicar a modelação ao clima é um esforço ínvio pois nesse caso o número de variáveis (e de suposições que têm de ser feitas) é gigantesco. Em climatologia pouco de útil pode ser obtido a partir da modelação informática, por mais poderosos que sejam os computadores (embora não se passe o mesmo com a meteorologia).
5) O caso torna-se ainda pior se um método mau como a modelação informática tiver como base uma teoria caduca. É precisamente isto o que se passa com os modelos climatológicos utilizados pelo IPCC, concebidos no princípio do século XX (antes portanto da existência de satélites meteorológicos). A moderna teoria climatológica foi estabelecida pelo grande cientista francês Marcel Leroux (1938-2008), da Université Jean Moulin, em Lyon. O parecer do professor Marcel Leroux acerca desse suposto aquecimento global está resumido no seu artigo "Uma impostura científica" .
6) O IPCC não é uma organização de cientistas e sim de burocratas, geralmente bem pagos, nomeados pelos governos. É mentira que o IPCC disponha de três mil cientistas especializados em climatologia, como tem sido tantas vezes apregoado. E é igualmente mentira a afirmação de que haveria "consenso científico" quanto ao dogma aquecimentista.
7) Se estivesse a haver algum aquecimento global no planeta Terra isso não seria mau para a humanidade.

Numerosas regiões do mundo poderiam passar a ter agriculturas produtivas. A Gronelândia, por exemplo – a "Terra Verde" como a chamaram os vikings – dispunha de agricultura na época do Período Quente Medieval.
Pode-se mesmo afirmar que o berço da civilização ocidental foi numa terra extremamente quente: a Mesopotâmia (actual Iraque), entre o Tigre e o Eufrates. Civilizações como a egípcia e a azteca floresceram em climas quentes.
Mas por que deveríamos preocupar-nos com tais questões, que são na maioria do foro estritamente científico?

Porque com base nos erros teóricos e práticos do IPCC foi propagandeada uma gigantesca histeria global que inoculou políticos de todo o mundo e deu azo a toda espécie de oportunismos, manifestações de ignorância & trafulhices.
Para isso muito contribuíram aldrabões como o sr. Al Gore (vice-presidente dos EUA no governo Clinton), que promoveu activamente o terrorismo climático através do livro e do filme "Uma verdade inconveniente".
Instilar o medo a fim de vender a solução tem sido uma táctica dos espertalhaços de todos os tempos.
Este caso não foge à regra, pois Gore e outros inventaram o novo business da venda dos direitos de emissão de carbono – e os banqueiros da Wall Street obviamente rejubilaram.
Alguns indivíduos especializaram-se nessas loucas previsões catastrofistas.
É o caso por exemplo do sr. James Hansen, o pai disto tudo, que até fala em subidas do nível dos mares da ordem das dezenas (!) de metros.
Por outro lado, a absurda intensidade publicitária dada ao falso problema do aquecimento global e das diabolizadas emissões de CO2 tem provocado problemas em série, todos mais ou menos encadeados uns nos outros.

O primeiro deles é desviar as atenções das questões realmente importantes.
E sobretudo da mais importante da nossa era, aquela que condicionará todo o nosso devir e afectará duramente nosso modo de vida futuro: o atingir do Pico Petrolífero.
Tal facto é sistematicamente silenciado pelos media ditos "de referência" e ignorado por políticos cujo horizonte temporal não passa de quatro anos (basta ver os actuais governantes portugueses que, em conluio com banqueiros, querem construir um novo aeroporto no país no exacto momento em que se anuncia a estagnação/declínio do transporte aéreo).
O segundo problema é o gigantesco desvio de recursos financeiros e humanos provocado em todo o mundo pela aldrabice do aquecimento global.

Só com o dinheiro gasto em conferências internacionais como as de Bali e agora a de Copenhagem, quantas coisas não poderiam ser feitas!
Isto é verdadeiro também em relação a Portugal, onde os governos do sr. Sócrates têm despejado rios de dinheiro em organizações tais como SIAM I, SIAM II, PNAC, CAC, FPC, gabinetes de consultoria e outras tantas criadas ad hoc para o aproveitamento deste maná orçamental.
Já foi instituída uma verdadeira indústria do aquecimento global.
Em terceiro lugar verifica-se a deformação das políticas energéticas, pois foram postas a reboque do mito climático.

Basta ver, por exemplo, o facto de a UE impor limitações de emissões de CO2 nos automóveis hoje fabricados na Europa. Ou seja, ao invés de estabelecer níveis mínimos de rendimento para os motores ou de impor restrições quanto às emissões que são realmente poluentes (como o SO2, os óxidos de azoto, as partículas sólidas, etc) a limitação é imposta a um gás não poluente.
Isto é, mais uma vez, um exemplo de confusão sistemática entre ambiente e clima, em que o primeiro é prejudicado sem qualquer benefício para o segundo.
Em quarto lugar toda esta imensa histeria global – que vai culminar amanhã, 7 de Dezembro, na Conferência de Copenhagem – constitui uma derrota para a Ciência.

O cepticismo público que isto pode provocar é um crime sem par na história do pensamento científico.
Não nos referimos apenas ao recente escândalo com os investigadores britânicos e americanos que aldrabavam estatísticas e censuravam os seus colegas nas peer review , o Climategate .
É muito mais do que isso: é a possível desmoralização da própria ciência em geral, enquanto tal, abrindo caminho para o irracionalismo.
Uma amostra caricata disso é que se chegou a fazer em Portugal um estudo para o combate às "alterações climáticas" ao nível municipal (!).
Em quinto lugar está a deformação das políticas energéticas de muitos países. Isso é visível em Portugal, onde os governos têm estimulado e subsidiado soluções irracionais do ponto de vista económico e energético com base na falácia do aquecimento global e das malfadadas emissões de CO2.

Basta lembrar, por exemplo, a desgraçada política de subsídio aos biocombustíveis líquidos e agora aos veículos eléctricos (quando Portugal é importador líquido de quilowatts-hora); o não apoio às boas soluções possíveis nos transportes (como os veículos a gás natural, que podem utilizar biometano, gás natural comprimido ou gás natural liquefeito); a promoção ruinosa de energias ditas renováveis às custas dos subsídios da perequação tarifária; etc; etc.
A ignorância (deliberada?) do Pico Petrolífero e a falácia do Protocolo de Quioto levam a tais aberrações.
Estamos numa época em que deveria haver planeamento energético a fim de promover uma "fuga" ao petróleo, tão grande e tão rápida quanto possível. Governos clarividentes como o da Suécia já descobriram isso, o português ainda não. Mas os erros de hoje terão de ser pagos amanhã – e o preço pode ser caro.
Finalmente, há a observação curiosa de a posição do resistir.info não ser "de esquerda".

No entanto, as questões científicas não são "de esquerda" nem "de direita" pois o que deve prevalecer é a busca da verdade.
A ciência faz-se também por ensaio e erro.
Uma teoria científica que foi válida numa certa época (como a climatologia elaborada no princípio do século XX) pode/deve ser sujeita à crítica e superada por outra melhor (como o fez Marcel Leroux).
Não há uma climatologia "de esquerda" ou "de direita", assim como não há física ou matemática que mereçam esses epítetos. Mas a insistência em aplicar uma teoria caducada quando já está disponível uma nova, melhor e com mais poder explicativo é certamente uma posição reaccionária.
Entende-se que insistam na velha teoria aqueles cujas convicções científicas se amoldam ao seu próprio interesse (empregos, business do carbono, financiamentos, etc). Mas é menos compreensível que personalidades e publicações progressistas, talvez por desconhecimento, ainda se apoiem na mesma.
É possível que o recente escândalo do Climategate lhes abra os olhos.

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