FEDERAÇÃO NACIONAL
DOS MÉDICOS
........-COMUNICADO
A revisão constitucional como pretexto para a destruição dos direitos sociais
De entre todos os sectores de actividade do nosso país, a Saúde foi o único que nos colocou nos primeiros lugares mundiais quanto ao índice global de desempenho (12º lugar) na base de indicadores concretos analisados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 36 anos de Democracia, a realização social e humanista mais marcante na nossa sociedade foi o Serviço Nacional de Saúde (SNS), constituindo um marco de desenvolvimento civilizacional.
O SNS conseguiu alterar todos os indicadores de saúde e colocar o nosso país ao nível dos países mais desenvolvidos. A título de exemplo, basta ter presente que em 1970 a mortalidade infantil era de 58,6 por mil e há 1 ano atrás era pouco superior a 4 por mil. E quanto ao indicador da mortalidade materna, o nosso país era o 8º a nível mundial quanto ao menor número de mortes, 4 por cada 100.000 nascimentos.
Em termos de custos globais, o nosso país é, a nível europeu, dos que tem menores gastos per capita e em toda a E.U. é aquele que tem menor percentagem de despesas públicas no total das despesas nacionais de saúde, ligeiramente acima de 50%.
Ora, é neste elucidativo quadro que surgiu nos últimos dias a divulgação de extractos de uma proposta de revisão constitucional da autoria da nova direcção política do PSD.
De acordo com as notícias publicadas, essa proposta pretende, entre outros aspectos, eliminar a Escola Pública, permitir os despedimentos arbitrários e liquidar o SNS.
No caso do SNS é colocada a questão de eliminar o princípio do “tendencialmente gratuito”, acrescentando que “em caso algum o acesso pode ser recusado por insuficiência de meios económicos”.
Desde logo, é imperioso sublinhar a falta de seriedade política do argumento sobre a suposta gratuitidade dos cuidados de saúde, quando todos sabemos que os serviços públicos são financiados através da carga fiscal aplicada aos cidadãos e que por esta via é desenvolvido o esforço solidário entre os vários sectores sociais em função dos seus rendimentos.
Por outro lado, como é possível fazer prova de insuficiência de meios económicos?
Esta abordagem faz-nos retornar dramaticamente à década de 1960 em que os cidadãos tinham de apresentar um atestado de indigência passado pelas Juntas de Freguesia para ficarem isentos do pagamento dos cuidados ou dos internamentos nos poucos hospitais públicos então existentes.
Em todos os países onde foram implementadas políticas de privatização e de mercantilização da Saúde, este tipo de argumentação foi utilizado e conduziu à criação de uma saúde dependente dos rendimentos de cada um.
Quando nos encontramos no meio de uma grave crise politica, social e económica devido ao desenvolvimento de políticas viradas para a mercantilização da vida humana, é inacreditável que um partido político que tem particulares responsabilidades no nosso regime democrático e que tem alternado no exercício da acção governamental tome a iniciativa de tentar impor, de forma ainda mais radical, essas mesmas políticas.
Num momento tão delicado como este, é assustador que haja quem tome como prioridade a revisão constitucional para liquidar o que ainda resta das políticas públicas e sociais.
Todos nós sabemos que existem múltiplos constrangimentos na capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde e na acessibilidade aos cuidados.
A FNAM tem efectuado, desde sempre, muitas denúncias sobre casos concretos dessas situações e da incompetência e impunidade gestionária de muitas administrações nomeadas pelas sucessivas tutelas ministeriais.
No entanto, há que ter bem presente que o SNS tem desempenhado um papel insubstituível na garantia da coesão social da população do nosso país, resolvendo os problemas essenciais da saúde da nossa população.
Decidimos adoptar esta posição pública na defesa do SNS tendo bem presente que os direitos sociais não podem ser objecto de negócios aviltantes para os cidadãos.
As propostas apresentadas constituem a mais chocante declaração até hoje efectuada no nosso regime democrático quanto à transformação do direito à saúde num qualquer bem de consumo sujeito às leis da oferta e da procura.
Com medidas destas não estamos somente a regredir no plano civilizacional, mas a enveredar por concepções de barbárie social e política.
A vida humana e a saúde, como sinónimo do seu equilíbrio, não podem estar dependentes dos negócios e de negociantes.
22/7/2010
A Comissão Executiva da FNAM
terça-feira, 27 de julho de 2010
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