domingo, 29 de janeiro de 2012

Fidel Castro: A genialidade de Chávez

O presidente Chávez apresentou ao Parlamento da Venezuela seu informe sobre a atividade realizada em 2011 e o programa a executar no ano atual. Depois de cumprir rigorosamente as formalidades que essa importante atividade demanda, falou na Assembleia às autoridades oficiais do Estado, aos parlamentares de todos os partidos e aos simpatizantes e adversários que o país reúne em seu ato mais solene.
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Por Fidel Castro


O líder bolivariano foi amável e respeitoso com todos os presentes, como é habitual nele. Se alguém lhe solicitava o uso da palavra para algum esclarecimento, ele concedia de imediato essa possibilidade. Quando uma parlamentar, que o havia saudado amavelmente, assim como outros adversários, pediu para falar, interrompeu seu informe e lhe cedeu a palavra, em um gesto de grande estatura política. Chamou minha atenção a dureza extrema com que o presidente foi increpado com frases que puseram à prova seu cavalheirismo e sangue frio. Aquilo constituía uma inquestionável ofensa, embora não fosse a intenção da parlamentar. Só ele foi capaz de responder com serenidade ao insultuoso qualificativo de “ladrão” que ela utilizou para julgar a conduta do presidente pelas leis e medidas adotadas.

Depois de verificar sobre o termo exato empregado, respondeu à solicitação individual de um debate com uma frase elegante e tranquila “Água não caça moscas”, e sem acrescentar uma palavra, prosseguiu serenamente sua exposição.

Foi uma prova insuperável de mente ágil e autocontrole. Outra mulher, de inquestionável estirpe humilde, com emotivas e profundas palavras expressou o assombro pelo que tinha visto e arrancou o aplauso da imensa maioria ali presente, que pelo estampido dos mismos, parecia proceder de todos os amigos e muitos dos adversários do presidente.

Chávez investiu mais de nove horas em seu discurso de prestação de contas, sem que diminuísse o interesse suscitado por suas palavras e, talvez devido ao incidente, foi escutado por incalculável número de pessoas. Para mim, que muitas vezes abordei árduos problemas em extensos discursos fazendo sempre o máximo esforço para que as ideias que desejava transmitir fossem compreendidas, não consigo explicar como aquele soldado de modesta origem foi capaz de manter con sua mente ágil e seu inigualável talento tal torrente oratória sem perder sua voz nem diminuir sua força.

A política para mim é o combate amplo e resoluto das ideias. A publicidade é tarefa dos publicitários, que talvez conheçam as técnicas para fazer com que os ouvintes, espectadores e leitores façam o que se lhes diz. Se tal ciência, arte ou como lhe chamem, fosse empregada para o bem dos seres humanos, mereceriam algum respeito; o mesmo que merecem os que ensinam às pessoas o hábito de pensar.

No cenário da Venezuela se realiza hoje um grande combate. Os inimigos internos e externos da revolução preferem o caos, como afirma Chávez, ao invés do desenvolvimento justo, ordenado e pacífico do país. Acostumado a analisar os fatos ocorridos durante mais de meio século, e de observar cada vez com maiores elementos de juízo a aleatória história de nosso tempo e o comportamento humano, aprende-se quase a predizer o desenvolvimento futuro dos acontecimentos.

Promover uma revolução profunda não era tarefa fácil na Venezuela, um país de gloriosa história, mas imensamente rico em recursos de vital necessidade para as potências imperialistas que traçaram e ainda traçam pautas no mundo.

Líderes políticos ao estilo de Rômulo Betancourt e Carlos Andrés Pérez careciam de qualidades pessoais mínimas para realizar essa tarefa. O primeiro era, ademais, excessivamente vaidoso e hipócrita. Teve oportunidades de sobra para conhecer a realidade venezuelana. Em sua juventude tinha sido membro do Birô Político do Partido Comunista da Costa Rica. Conhecia muito bem a história da América Latina e o papel do imperialismo, os índices de pobreza e o saque desapiedado dos recursos naturais do continente. Não podia ignorar que em um país imensamente rico como a Venezuela, a maioria do povo vivia em extrema pobreza. Existem filmes nos arquivos que constituem provas irrefutáveis daquelas realidades.

Como tantas vezes Chávez explicou, a Venezuela durante mais de meio século foi o maior exportador de petróleo no mundo; navios de guerra europeus e ianques em princípios do século 20 intervieram para apoiar um governo ilegal e tirânico que entregou o país aos monopólios estrangeiros. É bem sabido que incalculáveis fundos saíram para engrossar o patrimônio dos monopólios e da própria oligarquia venezuelana.

A mim me basta recordar que quando visitei a Venezuela pela primeira vez, depois do triunfo da Revolução, para agradecer sua simpatia e apoio a nossa luta, o petróleo valia apenas dois dólares o barril.

Quando viajei depois para assistir à posse de Chávez, no dia que jurou sobre a “moribunda Constituição” que Calderas apoiava, o petróleo valia 7 dólares o barril, apesar dos 40 anos transcorridos desde a primeira visita e quase 30 desde que o “benemérito” Richard Nixon tinha declarado que o câmbio metálico do dólar deixava de existir e os Estados Unidos começaram a comprar o mundo com papéis. Durante um século a nação foi fornecedora de combustível barato à economia do império e exportadora líquida de capital aos países desenvolvidos e ricos.

Por que essas repugnantes realidades predominaram durante mais de um século?

Os oficiais das Forças Armadas da América Latina tinham suas escolas privilegiadas nos Estados Unidos, onde os campeões olímpicos das democracias os educavam em cursos especiais destinados a preservar a ordem imperialista e burguesa. Os golpes de Estado seriam bem-vindos sempre que fossem destinados a “defender as democracias”, preservar e garantir tão repugnante ordem, em aliança com as oligarquias; se os eleitores sabiam ou não ler e escrever, se tinham ou não casas, emprego, serviços médicos e educação, isso não tinha importância, sempre que o sagrado direito à propriedade fosse defendido. Chávez explica essas realidades magistralmente. Ninguém sabe como ele o que ocorria em nossos países.

O que era ainda pior, o caráter sofisticado das armas, a complexidade na exploração e o uso do armamento moderno que requer anos de aprendizagem, e a formação de especialistas altamente qualificados, o preço quase inacessível das mesmas para as economias débeis do continente, criavam um mecanismo superior de subordinação e dependência. O governo dos Estados Unidos, através de mecanismos que nem sequer consultam os governos, traça pautas e determina políticas para os militares. As técnicas mais sofisticadas de torturas eram transmitidas aos chamados corpos de segurança para interrogar os que se rebelavam contra o imundo e repugnante sistema de fome e exploração.

Apesar disso, não poucos oficiais honestos, enfastiados por tantas sem-vergonhices, tentaram valentemente erradicar aquela embaraçosa traição à história de nossas lutas pela independência.

Na Argentina, Juan Domingo Peron, oficial do Exército, foi capaz de desenhar uma política independente e de raiz operária em seu país. Um sangrento golpe militar o derrubou, o expulsou de seu país, manteve-o exilado de 1955 até 1973. Anos mais tarde, sob a égide dos ianques, assaltaram de novo o poder, assassinaram, torturaram e fizeram desaparecer dezenas de milhares de argentinos, não foram sequer capazes de defender o país na guerra colonial contra a Argentina que a Inglaterra levou a cabo com o apoio cúmplice dos Estados Unidos e do esbirro Augusto Pinochet, com seu grupo de oficiais fascistas formados na Escola das Américas.

Na República Dominicana, o coronel Francisco Caamaño Deñó; no Peru, o general Velazco Alvarado; no Panamá, o general Omar Torrijos; e em outros países capitães e oficiais que sacrificaram suas vidas anonimamente, foram as antíteses das condutas traidoras personificadas em Somoza, Trujillo, Stroessner e nas sanguinárias tiranias do Uruguai, El Salvador e outros países da América Central e do Sul. Os militares revolucionários não expressavam pontos de vista teoricamente elaborados em detalhes, e ninguém tinha direito de exigir isto deles, porque não eram acadêmicos educados na política, mas homens com sentido da honra que amavam seu país.

Contudo, é necessário ver até onde são capazes de chegar pelos caminhos da revolução homens de tendência honesta, que repudiam a injustiça e o crime.

A Venezuela constitui um brilhante exemplo do papel teórico e prático que os militares revolucionários podem desempenhar na luta pela independência de nossos povos, como já tinham feito há dois séculos sob a genial direção de Simón Bolívar.

Chávez, um militar venezuelano de origem humilde, irrompe na vida política da Venezuela inspirado nas ideias do libertador da América. Sobre Bolívar, fonte inesgotável de inspiração, Martí escreveu: “ganhou batalhas sublimes com soldados descalços e seminus [...] jamais se lutou tanto, nem se lutou melhor no mundo pela liberdade…”

“… de Bolívar – disse – se pode falar com uma montanha como tribuna [...] ou com um monte de povos livres no punho…”

“… o que ele não deixou feito, sem fazer está até hoje; porque Bolívar ainda tem o que fazer na América.”

Mais de meio século depois, o insigne e laureado poeta Pablo Neruda escreveu sobre Bolívar um poema que Chávez repete com frequência. Em sua estrofe final expressa:

“Eu conheci Bolívar em uma longa manhã,
em Madri, na boca do Quinto Regimento,
Pai, lhe disse, és ou não és ou quem és?

E olhando o quartel da Montanha, disse:
‘Desperto cada cem anos quando o povo desperta ’.”

Mas o líder bolivariano não se limita à elaboração teórica. Suas medidas concretas não se fazem esperar. Os países caribenhos de língua inglesa, aos quais modernos e luxuosos navios cruzeiros ianques disputavam o direito de receber turistas em seus hotéis, restaurantes e centros de recreação, não poucas vezes de propriedade estrangeira mas que ao menos geravam emprego, agradecerão sempre à Venezuela o combustível fornecido por esse país com facilidades especiais de pagamento, quando o barril atingiu preços que às vezes ultrapassavam os 100 dólares.

O pequeno Estado da Nicarágua, pátria de Sandino, “General de Homens Livres”, onde a Agência Central de Inteligência através de Luis Posada Carriles, depois de ser resgatado de uma prisão venezuelana, organizou o intercâmbio de armas por drogas que custou milhares de vidas e mutilados a esse heroico povo, também recebeu o apoio solidário da Venezuela. São exemplos sem precedentes na história deste hemisfério.

O ruinoso Acordo de Livre Comércio que os ianques pretendem impor à América Latina, como fez com o México, transformaria os países latino-americanos e caribenhos não só na região do mundo onde é pior distribuída a riqueza, pois já é, mas também em um gigantesco mercado onde até o milho e outros alimentos que são fontes históricas de proteína vegetal e animal seriam substituídos pelos cultivos subsidiados dos Estados Unidos, como já está ocorrendo no território mexicano.

Os automóveis de uso e outros bens substituem os da indústria mexicana; tanto as cidades como os campos perdem sua capacidade de emprego, o comércio de drogas e armas cresce, jovens quase adolescentes, com apenas 14 ou 15 anos, em número crescente, são transformados em temíveis delinquentes. Jamais se viu que ônibus ou outros veículos repletos de pessoas, que inclusive pagaram para ser transportados ao outro lado da fronteira em busca de emprego, fossem sequestrados e eliminados massivamente. Os dados conhecidos crescem ano a ano. Mais de 10 mil pessoas estão perdendo a vida a cada ano.

Não é possível analisar a Revolução Bolivariana sem ter em conta estas realidades.

As Forças Armadas, em tais circunstâncias sociais, se veem forçadas a intermináveis e desgastantes guerras.

Honduras não é um país industrializado, financeiro ou comercial, nem sequer grande produtor de drogas, contudo algumas de suas cidades batem o recorde de mortos por violência por causa das drogas. Ali se ergue, ao invés, o estandarte de uma importante base das forças estratégicas do Comando Sul dos Estados Unidos. O que ocorre ali e já está ocorrendo em mais de um país latino-americano é o dantesco quadro assinalado, dos quais alguns países começaram a sair. Entre eles, e em primeiro lugar a Venezuela, mas não só porque possui grandes quantidades de recursos naturais, mas porque os resgatou da avareza insaciável das transnacionais estrangeiras e já desatou consideráveis forças políticas e sociais capazes de alcançar grandes conquistas. A Venezuela de hoje é outra muito distinta da que conheci há apenas12 anos, e já então me impressionou profundamente, ao ver que, como a ave Fênix, ressurgia de suas históricas cinzas.

Aludindo ao misterioso computador de Raúl Reyes, em mãos dos Estados Unidos e da CIA, a partir do ataque organizado e abastecido por eles em pleno território equatoriano, que assassinou o substituto de Marulanda e vários jovens latino-americanos desarmados, lançaram a versão de que Chávez apoiava a “organização narcoterrorista das FARC”. Os verdadeiros terroristas e narcotraficantes na Colômbia têm sido os paramilitares que forneciam aos traficantes norte-americanos as drogas, que são vendidas no maior mercado de entorpecentes do mundo: os Estados Unidos.

Nunca falei com Marulanda, mas sim com escritores e intelectuais honrados que chegaram a conhecê-lo bem. Analisei seus pensamentos e história. Era sem dúvidas um homem valente e revolucionário, o que afirmo sem vacilar. Expliquei que não coincidia com ele em sua concepção tática. A meu juízo, dois ou três mil homens teriam sido mais do que suficientes para derrotar no território da Colômbia um exército regular convencional. Seu erro foi conceber um exército revolucionário armado com quase tantos soldados como o adversário. Isso era sumamente custoso e virtualmente impossível de dirigir; torna-se algo impossível.

Hoje a tecnologia mudou muitos aspectos da guerra; as formas de luta também mudam. De fato o enfrentamento das forças convencionais, entre potências que possuem a arma nuclear, se tornou impossível. Não é preciso ter os conhecimentos de Albert Einstein, Stephen Hawking e milhares de outros cientistas para compreender isso. É um perigo latente e o resultado se conhece ou se deveria conhecer. Os seres pensantes poderiam tardar milhões de anos a voltar a povoar o planeta.

Apesar de tudo, defendo o dever de lutar, que é algo de per si inato no homem, buscar soluções que lhe permitam uma existência mais razoável e digna.

Desde que conheci Chávez, já na presidência da Venezuela, desde a etapa final do governo de Pastrana, sempre o vi interessado pela paz na Colômbia, e facilitou as reuniões entre o governo e os revolucionários colombianos que tiveram como sede Cuba, entenda-se bem, para um verdadeiro acordo de paz e não uma rendição.

Não me recordo de ter escutado Chávez promover na Colômbia outra coisa que não fosse a paz, nem tampouco mencionar Raúl Reyes. Sempre abordávamos outros temas. Ele aprecia particularmente os colombianos; milhões deles vivem na Venezuela e todos se beneficiam das medidas sociais adotadas pela Revolução e o povo da Colômbia o aprecia quase tanto como o da Venezuela.

Desejo expressar minha solidariedade e estima ao general Henry Rangel Silva, chefe do Comando Estratégico Operacional das Forças Armadas, e recém designado ministro para a Defesa da República Bolivariana. Tive a honra de conhecê-lo quando em meses já distantes visitou Chávez em Cuba. Pude apreciar nele um homem inteligente e são, capaz e ao mesmo tempo modesto. Escutei seu discurso sereno, valente e claro, que inspirava confiança.

Dirigiu a organização do desfile militar mais perfeito que já vi de uma força militar latino-americana, que esperamos sirva de alento e exemplo a outros exércitos irmãos.

Os ianques nada têm a ver com esse desfile e não seriam capazes de fazê-lo melhor.

É sumamente injusto criticar Chávez pelos recursos investidos nas excelentes armas que ali foram exibidas. Estou seguro de que jamais serão utilizadas para agredir um país irmão. As armas, os recursos e os conhecimentos deverão marchar pelos caminhos da unidade para formar na América, como sonhou O Libertador, “…a maior nação do mundo, menos por sua extensão e riqueza do que por sua liberdade e glória”.

Tudo nos une mais que à Europa ou aos próprios Estados Unidos, exceto a falta de independência que nos impuseram durante 200 anos.
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