domingo, 27 de maio de 2012



NOTA DA DIRECÇÃO DO “PÚBLICO
ESCLARECIMENTO AOS LEITORES SOBRE O CASO RELVAS

A pressão de Relvas e a política de não a denunciar

A meio da tarde de quarta-feira, 16 de Maio, o ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, telefonou à editora de Política do PÚBLICO, Leonete Botelho, e disse-lhe que as perguntas enviadas naquele dia pela jornalista Maria José Oliveira – que há meses investiga o caso das secretas – eram "pidescas", que se sentia "perseguido pelo PÚBLICO" e que iria fazer uma queixa à ERC, iria processar o jornal, iria dizer aos ministros que não voltassem a falar com o PÚBLICO e iria divulgar na internet que a autora da notícia vive com um homem de um partido da oposição, nomeando o partido - o que neste esclarecimento se considera desnecessário.

O PÚBLICO considera inaceitável esta pressão sobre jornalistas vinda de um membro de um governo democrático.

Como faz por regra, a editora informou a sua colega sobre o conteúdo do telefonema e, mais tarde, por vontade da jornalista visada, as duas comunicaram o incidente à directora do jornal. Nessa tarde, o ministro Relvas ligara à directora três ou quatro vezes, sem que tivesse sido estabelecido contacto. Ocupada a fazer entrevistas agendadas, a directora não atendera o telefone.

Houve mais dois telefonemas do ministro para o jornal nesse dia. Um para a editora, no qual o ministro reiterou as ameaças, acrescentando que as concretizaria se a notícia que estava em preparação para o online fosse publicada, e outro para a directora, no qual o assunto não foi abordado. Não tinha havido tempo para reunir a direcção e tomar uma decisão.

Uma vez informada, a directora não considerou que as ameaças do ministro viessem a ser postas em prática. É nossa tradição não denunciar as pressões que nos são feitas – e foram muitas e muito concretas ao longo de 22 anos. É assim em Portugal e não só. Faz parte do jornalismo independente ter uma armadura contra as tentativas de pressão. Leonete Botelho, a editora que recebeu o telefonema, fez uma avaliação semelhante.

Em momento algum nos sentimos intimidados e em nenhum momento o telefonema do ministro Relvas alterou o trabalho que estava a ser feito. Continuaremos a investigar o caso das secretas e as ligações entre os serviços de informação e o poder político.

O telefonema do ministro foi objecto de reflexão e debate internos. Deveria o jornal ignorar o telefonema ou protestar formalmente? E, se sim, de que forma? Por telefone, por escrito, numa audiência com o ministro? Há quem considere, dentro e fora do jornal – incluindo os jornalistas eleitos para o Conselho de Redacção – que a direcção do PÚBLICO deveria ter denunciado publicamente a pressão, e logo no próprio dia. Essa não foi a nossa opção. Depois de uma reflexão colegial, a directora telefonou na sexta-feira ao ministro para lhe apresentar um protesto formal do jornal, dizendo-lhe que é inaceitável um ministro fazer este tipo de telefonemas a um jornalista. Na nossa percepção, o telefonema tinha – como têm todas as pressões – o objectivo de condicionar e perturbar o trabalho que estava a ser feito. A seguir, o ministro telefonou a Leonete Botelho a pedir desculpa pelo telefonema.

Na véspera, a directora conversou com o advogado do jornal, Francisco Teixeira da Mota. Numa primeira avaliação jurídica, o nosso advogado ressalvou que o crime de ameaça implica uma ameaça credível contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal e os bens patrimoniais – e que este não era o caso. Neste primeiro contacto, Teixeira da Mota distinguiu claramente a questão jurídica da questão ética e política, e sublinhou a diferença entre ameaçar divulgar um dado da vida privada que é "íntimo", "desconhecido", "secreto" ou "embaraçoso", e divulgar um dado que, sendo "pessoal", é de fácil acesso público, sendo que, no seu entender, os jornalistas têm que aceitar um maior grau de exposição e escrutínio do que os cidadãos comuns. Francisco Teixeira da Mota não viu consistência na frase do ministro que justificasse uma actuação legal. Uma semana depois, a sua avaliação mantém-se.A notícia que não saiu

Na quarta-feira, 16 de Maio, publicámos na edição impressa uma notícia de Maria José Oliveira de página inteira com o título "Relvas recebeu sms e emails de Jorge Silva Carvalho com propostas para as secretas". O lead da notícia (que republicamos hoje) é sobre a contradição de Relvas tornada evidente na sua audição, na véspera, na Assembleia da República. Na semana anterior o ministro dissera não ter "ideia" de ter recebido sms e clippings de Jorge Silva Carvalho; agora, no Parlamento, Relvas dissera que sim, que recebera sms e clippings de Silva Carvalho todos os dias.

Mais à frente, lia-se que o ministro dissera que até se "lembrava" que o "primeiro clipping era: 'Bush visita México. Fonte: Reuters'"; e que a última visita de George W. Bush ao México, segundo a Reuters, foi em 2007. Relvas, no entanto, dissera que só conhecera Silva Carvalho em 2010. Na primeira página, o título foi "Relvas confirma ter recebido propostas para as secretas".

Por volta da hora de almoço, Maria José Oliveira propõe ao editor do online do turno da manhã, Victor Ferreira, escrever sobre "uma incongruência" que as declarações do ministro tinham revelado, referindo-se ao hiato 2007-2010.

O editor diz que se houvesse matéria relevante que demonstrasse que o ministro tinha entrado em contradições publicaria o texto e diz também à colega que se devia ouvir as explicações do ministro sobre essas "contradições". A jornalista informa o editor que vai enviar perguntas por escrito ao ministro. Às 15h27 Maria José Oliveira envia um email ao gabinete de Miguel Relvas com uma pergunta. Pede ao gabinete do ministro para que a resposta seja enviada até às 16h. É este pedido que leva o membro do Governo a sentir-se pressionado, segundo afirmou ontem, após ter sido ouvido na ERC. Às 16h01, Maria José Oliveira recebe a resposta do ministro, por escrito, dizendo que já prestara todos os esclarecimentos sobre aquele assunto na Comissão de Assuntos Constitucionais, no dia anterior. A jornalista escreve uma notícia, que envia para o online (CLIQUE AQUI PARA CONSULTAR UMA  IMAGEM  DESSE TEXTO)

O texto refere de novo a questão do hiato, que não tinha saído na véspera na edição online, e incluía o seguinte parágrafo: "O PÚBLICO questionou, por escrito, Miguel Relvas sobre em que altura recebeu a mensagem que citou na audição parlamentar, referente à visita de Bush ao México. A resposta foi: 'Todos os esclarecimentos sobre este assunto foram oportunamente prestados em sede própria, ou seja, na 1ª comissão'."

A editora interina do online do turno da tarde, Joana Gorjão Henriques, não identifica informação nova e apresenta o problema à directora. Em conjunto, concluem que o texto não introduz elementos novos, para além da resposta do ministro àquela questão, e que isso não justifica a publicação.

É nesta altura que a editora de Política, Leonete Botelho, e Maria José Oliveira se dirigem à directora para a informar, a pedido da autora da notícia, sobre o telefonema do ministro, no qual Relvas ameaçara fazer uma revelação sobre a vida privada da jornalista.As três analisaram em seguida que passos dar quanto à notícia e fica decidido que Maria José Oliveira vai enviar novas perguntas a Miguel Relvas sobre as contradições que a jornalista identificara. É sugerido que se pode ver de novo a transmissão da audição no Parlamento e tentar perceber que contradições existem e questionar o ministro quanto a elas.

Às 17h15, Maria José Oliveira envia três novas perguntas ao ministro e no minuto seguinte recebe do seu assessor a mesma resposta do email anterior, com o acrescento de que o ministro só conhecera Silva Carvalho quando era secretário-geral do PSD.

Posteriormente, é enviada aos editores do online uma notícia com o título "Relvas não esclarece incongruências das suas declarações na AR" (CLIQUE AQUI PARA CONSULTAR UMA IMAGEM DESSE TEXTO)

A notícia aponta como incongruência o facto de o ministro ter apagado as mensagens electrónicas recebidas de Silva Carvalho, mas lembrar-se de parte do conteúdo das mensagens apagadas, e refere as restantes perguntas que tinham sido feitas entretanto ao governante.

A notícia volta a ser avaliada pela editora interina do online, que mantém as dúvidas e coloca o caso ao director-adjunto Miguel Gaspar, que estava a fechar a edição impressa nessa noite.

O director-adjunto mantém a avaliação de que não existem elementos novos e que as respostas do ministro, por si só, não justificam a publicação. Acrescenta que se deveria fazer uma análise da audição parlamentar, no dia seguinte, na qual as inconsistências pudessem ser tratadas num espaço mais alargado e com os elementos de contextualização indispensáveis a uma melhor compreensão. Essa posição é contestada pela jornalista, que mantém que havia matéria noticiosa relevante e levou o caso ao Conselho de Redacção.

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